“O PRAZO MÍNIMO PARA CESÁREA VAI PROTEGER A SAÚDE DA MULHER”
Publicado em 28/07/2016 • Notícias • Português
O Conselho Federal de Medicina (CFM), na Resolução 2.144/2016, decidiu que o médico só pode realizar o parto cesáreo, a pedido da grávida, a partir da 39ª semana de gestação. A justificativa de garantir a segurança do feto e da gestante, no entanto, é questionada por profissionais. O prazo garante a autonomia da mulher e diminui os riscos? Ou legitima a cesariana eletiva, sem indicação obstétrica?
Maria do Carmo Leal, médica e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, critica a prática de cesáreas a pedido. (Leia mais aqui). “Os conceitos de autonomia da mulher está muito deturpado. É uma autonomia desinformada. A facilidade é para o médico, que agenda as cesáreas conforme sua disponibilidade”, afirma. Juvenal Borriello, diretor de Defesa e Valorização Profissional da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), discorda. Ele afirma que a resolução traz resultados positivos.
ÉPOCA – Quais as consequências da instituição do prazo mínimo de 39 semanas para realização de cesárea?
Juvenal Borriello – Antes, tinha de ser respeitada a vontade da paciente, sem uma idade mínima do feto. Essa resolução veio dizer aos médicos que fazem ginecologia e obstetrícia que, se ele fizer uma cesárea a pedido a partir de 39 semanas, a paciente não vai poder recorrer ao Conselho de Ética se ele tiver feito essa cesárea a pedido. A resolução regulamenta o exercício da profissão. Se o médico entender que ele precisa fazer uma cesárea com 38 semanas e conseguir documentar que isso é necessário, ele pode fazer. Mas precisará apresentar justificativa.
ÉPOCA – O limite é seguro para a mãe e o bebê?
Borriello – O limite vai proteger a saúde da mulher ao respeitar sua autonomia e exigir condições técnicas para o parto. Com 39 semanas, o útero está mais preparado contra complicações. E quando você elimina um recém-nascido com mais de 39 semanas do útero, diminuem-se riscos como insuficiência respiratória e icterícia neonatal.
ÉPOCA – Como reduzir o índice de cesáreas feitas no Brasil, muito acima do recomendado pela OMS?
Borriello – A gente não consegue coibir com decreto essas coisas. Nas grandes capitais, você tem um número de maternidades que não atende à demanda da saúde suplementar. Em São Paulo, pelo menos 15 maternidades na região metropolitana fecharam. Haveria dificuldade de arranjar vaga, se todas as mulheres entrassem em trabalho de parto espontaneamente. Esse é um dos problemas. Várias entidades se associaram a um programa chamado Parto Adequado. Essa é uma das medidas que vai ajudar a ter indicadores melhores.
ÉPOCA – Como garantir que a gestante seja bem informada sobre os riscos da cesárea, antes de escolher?
Borriello – A boa prática obstétrica recomenda isso. Muita gente acha que o alto índice de cesáreas no Brasil, em torno de 85%, se deve à desinformação. Não é só isso. Existe uma série de motivos pessoais, familiares, sociais e trabalhistas. Não é uma coisa tão simples.
ÉPOCA – É necessário mudar a conduta dos médicos?
Borriello – O alto índice de cesáreas não pode ser atribuído só aos médicos. Quando se fala em violência obstétrica, é como se tudo isso fosse culpa do médico. Um documento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo identifica as causas de violência obstétrica. Começa assim: “Pacientes que procuram maternidade e não encontram”; “paciente que chegou na maternidade e foi maltratada pela recepcionista”. Que gerência um obstetra tem sobre a capacidade de ambiência de um hospital? Nenhuma. Você não consegue marcar a internação, você não consegue colocar a paciente na saúde suplementar. Isso é culpa do médico? Não.
ÉPOCA – O que favoreceria uma assistência obstétrica adequada?
Borriello – A mulher fazer o acompanhamento da gravidez o mais correto possível. Pré-natal, por volta de dez consultas, duas a mais no final da gravidez. O ideal seria se ela fizesse o acompanhamento com a vaga garantida no sistema público ou no sistema privado, e saber desde o começo qual maternidade vai ter condições de ambiência para acolhê-la num ambiente adequado para o trabalho de parto, onde ela seja atendida por uma equipe multidisciplinar.
ÉPOCA – A cesariana não deveria ser feita apenas em casos de risco, de acordo com a medicina baseada em evidências?
Borriello – Mundialmente, os índices de cesárea hoje giram em torno de 30%, porque 30% das grávidas levam a gravidez até o final com algumas complicações. Em nosso país, os números deveriam girar em torno dos 25% ou 30%. A comunidade médica obstétrica acredita que seria difícil conseguir índices menores do que esse. Isso com uma assistência muito boa. Ao longo destes últimos anos, o próprio desenvolvimento tecnológico, como ultrassom, cardiotocografia, ecocardiograma fetal e uma série de exames, passou a detectar determinadas situações do feto e da mãe mais precocemente, e muitas gravidezes são, muitas vezes, interrompidas por causa disso. Hoje, os que ainda têm índice mais baixo do que 20% é a Inglaterra, a Irlanda, que têm um modelo de assistência obstétrica bastante adequada. Os países em desenvolvimento praticamente não são tão ruins quanto o Brasil, com índices tão altos, mas também têm índices bem acima de 50%.
ÉPOCA – O índice de recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) não é de 15%?
Borriello – Isso é divulgado de uma forma não correta no meio acadêmico, pois é de 1985. Faz muito tempo que nenhum país tem 15% assim com facilidade. Pontualmente, esses dois que eu citei para você. É que a OMS não corrigiu isso. E, nos países que têm índice próximo de 15% ou abaixo disso, você tem os índices de mortalidade materna e fetal extremamente aumentados, porque é desassistência. Quando se fala de índice de cesárea, você não pode criar maus resultados para a mãe e o bebê. Olhar só de um lado não contempla a grandiosidade do sistema.
Fonte: Época Online