A saúde brasileira
vive um impasse financeiro, tanto na esfera pública quanto na particular. Entre
os preços pagos direta ou indiretamente pela população, a remuneração dos
profissionais e os recursos aplicados em infraestrutura, serviços e materiais,
muitas vezes a conta não fecha. O conceito de sistema de saúde sustentável
surge como solução para esse caso – um objetivo ao qual diversos agentes
dedicam-se em todo o mundo, pois o Brasil não é o único país a enfrentar
desafios na área.
O que significa
ser sustentável?
O médico
norte-americano Harvey Fineberg é uma das pessoas que se dedicam a investigar
os caminhos da sustentabilidade nos sistemas de saúde. Em artigo publicado no
jornal The New England Journal of Medicine, ele estabeleceu alguns critérios
que definem um sistema sustentável. Os principais critérios a serem atendidos
são três:
1) a existência de
pessoas efetivamente saudáveis;
2) um cuidado
superior, seguro, centrado no paciente e eficiente;
3) a justiça,
compreendida como o tratamento equânime de todos os agentes envolvidos no
sistema, entre pacientes e profissionais.
Esses três pontos,
mais gerais e conceituais, desdobram-se em aspectos práticos. O primeiro deles
é o fato de que um sistema sustentável deve ser financeiramente acessível para
pacientes, empresas e governos. Em segundo, o sistema precisa gozar de boa
aceitabilidade – novamente, tanto por parte dos usuários quanto das pessoas que
trabalham no sistema de saúde. Além disso, ele também precisa ser adaptável,
capaz de mudar de acordo com a conjuntura de saúde pública, como uma pandemia,
e demandas sociais. Mudanças demográficas, novas doenças e descobertas
científicas precisam estar no radar dos sistemas de saúde.
Particularidades
brasileiras
Embora seja
interessante estarmos informados sobre o debate internacional em torno da
questão, não podemos perder de vista as particularidades do quadro brasileiro e
de como ele impacta a questão da sustentabilidade. Segundo especialistas, duas
questões nos tocam de maneira particular.
Em primeiro lugar,
o modelo de conta aberta e pagamento por serviço estimula o maior uso dos
serviços de saúde, impactando a gestão financeira. Em segundo, é preciso levar
em consideração o fato de que os sistemas de saúde brasileiros trabalham em
mutualismo, com os mais jovens pagando mais do que consomem a fim de compensar
os gastos com pessoas de mais idade, que são maiores. Como a população está
ficando cada vez mais longeva, esse sistema fica cada vez menos sustentável.
Saúde sistêmica
Onde começa um
indivíduo saudável? Embora o senso comum associe saúde a idas a médicos e à
realização de exames e procedimentos, os fatores determinantes de uma vida
saudável começam bem antes. Especialistas defendem que, se quisermos criar
sistemas de saúde sustentáveis, precisamos investir em dois aspectos que,
juntos, ajudam a tornar a população efetivamente mais saudável: informação e
qualidade de vida. Com isso, serviços
como hospitais e pronto socorros seriam acionados com menos frequência,
diminuindo a carga sobre o sistema de saúde.
O acesso à
informação torna a população mais consciente sobre a saúde como um bem a ser
cultivado de maneira contínua, e não pontual. Políticas públicas, profissionais
da área da saúde e meios de comunicação colaboram com esse projeto na medida em
que divulgam fatos sobre, por exemplo, a importância de uma alimentação
equilibrada e a prática de exercícios físicos. O combate à anticiência também
entra nessa dinâmica. Informações corretas sobre o uso de medicamentos e vacinas,
por exemplo, evitam com que muitos problemas de saúde sejam desenvolvidos.
Novamente é
preciso levar em conta a conjuntura brasileira. Populações sem acesso a água
potável e saneamento básico têm muito mais dificuldades em levar uma vida
saudável. Comer alimentos naturais e saudáveis é outro desafio para boa parte
dos brasileiros, de Norte a Sul do País. Renda, trabalho, moradia e educação
também são variáveis que impactam diretamente a demanda dos indivíduos por
serviços de ambulatório e hospitais.
O papel da
tecnologia
A busca por
soluções de sustentabilidade passa também pela tecnologia. Inteligência
artificial, data analytics e sistemas conectados de monitoramento da
situação de pacientes e de agentes estão entre os recursos técnicos com maior potencial
para impulsionar a sustentabilidade de sistemas de saúde. Experiências recentes
mostram que o investimento em Tecnologia da Informação tem reflexo em diversos
pontos da cadeia, desde socorristas até equipes de cirurgia, passando pela
enfermagem e pelos médicos de saúde da família. A tecnologia é aliada dos
profissionais na medida em que lhes oferece mais dados e segurança sobre o que
pode ou não ser feito. Além disso, os novos recursos devem ter o paciente como
centro.
O desenvolvimento
dessas tecnologias dependerá, no caso brasileiro, de investimentos,
desenvolvimento do mercado e aspectos regulatórios. Foi o caso, por exemplo, da
telemedicina durante a pandemia de Covid-19. As medidas sanitárias de combate
ao contágio pelo vírus incentivaram a realização de consultas remotas, segmento
até então pouco explorado. E a experiência deu certo: conectados pela internet,
médico e paciente puderam discutir casos de maneira rápida e efetiva, com
economia de recursos.