O parto da prevenção
Publicado em 17/06/2016 • Notícias • Português
Exames sem sentido,internações longas, procedimentos exagerados, uso descontrolado da tecnologia. Além de não focar na qualidade de vida, o caminho tomado pela rede privada de saúde no Brasil custa caro.
“Quando o sistema foi criado, morria-se de doenças infecciosas,e não crônicas; então se desenvolveu um modelo que trata a doença”, diz Luiz Augusto Carneiro, superintendente do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar).
Esquemas de prevenção e atenção primária entram em cena para que o objetivo do atendimento médico seja a saúde e os procedimentos sejam bem conduzidos. ”As operadoras não vendem qualidade de vida, e sim acesso à melhor tecnologia possível”, diz Martha Oliveira, diretora de desenvolvimento setorial da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Nesse contexto,a agência desenvolve projetos-piloto que têm como prioridade a relação médico-paciente e tentam otimizar o tratamento na rede particular.
Um desses projetos é o Parto Adequado,implementado há um ano em 40 hospitais do país e resultado de parceira com o Hospital Albert Einstein e o IHI (Institute for Healthcare Improvement).
A proposta é disseminar modelos que valorizem o parto normal e favoreçam a qualidade de serviços desde o pré até o pós-parto, diz Rita de Cassia Sanchez e Oliveira, obstetra do Einstein.
O segundo projeto piloto da agência chama-se Idoso Bem Cuidado, e será impalntado ainda neste ano (leia nesta página).
Os próximos projetos focalizam o tratamento do câncer —que é desarticulado na rede privada—e a odontologia, para que os pacientes passem a priorizar a prevenção de problemas bucais Com esses projetos pilotos a ANS também quer discutir a redução de custos, bem como novas formas de remuneração para serviços médicos.
Mudanças que esbarram na resistência dos profissionais.
“O modelo de remuneração atual não incentiva a atenção primária”,diz Daniel Knupp, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade.
“Hoje, o pagamento dos serviços é por produção, o que leva médicos e instituições a gerar procedimentos de forma desenfreada.”.
No Parto Adequado,foram testadas fórmulas de pagamento que usam indicador de qualidade, para complementara remuneração já pactuada entre plano e hospital.
O mesmo ocorrerá no programa Idoso Bem Cuidado.
sistema exaurido Mas a formação é outro entrave.Na faculdade de medicina, o aluno é treinado a diagnosticar, tratar e curar sintomas, explicou à Folha Mary Durham, diretora do Centro de Pesquisas em Saúde da Kaiser Permanente. “O sistema continuará a focar em tratamento e procedimento até haver incentivo para visar saúde e prevenção, dando ênfase no valor em vez de enfatizar o volume do serviço prestado”, disse.
As operadoras, em contrapartida, parecem sem saída e também querem nova maneira de tratar e remunerar.
A sinistralidade dos planos de saúde brasileiros gira em torno de 85,5%, quando o índice adequado seria de até 75%. “O sistema se exauriu, a operadora muda ou será mudada por força do cenário”, analisa Cloer Vescia Alves,que é coordenador do Comitê de Atenção à Saúde da Unimed do Brasil.
A conta deve ser revista, com novo sistema de financiamento que freia gastos abusivos e com médico generalista,figura central da atenção primária, capaz de conduzir o paciente em busca de prevenção e eficácia.
Operadoras como Unimed e Amil já incluem modelos de atenção primária em planos tradicionais e vendem produtos nos quais o acompanhamento do generalista é prioritário e obrigatório.
E colhem resultados preliminares.Com esses modelos, a Unimed de Belo Horizonte (MG) reduziu em um ano as visitas a pronto-atendimento dos beneficiários de 34% para 19% e as internações de pacientes com doenças sensíveis à atenção primária de 14% para 9%.Unimeds de Vitória (ES) e Guarulhos (SP) têm índices semelhantes.
Cloer Vescia Alves estima que a conduta,aliada a novas formas de remuneração, até reduza o custo assistencial.
“Um sistema mais racional gerará produtos de custo menor e talvez a saúde suplementar possa resgatar um contingente significativo que a deixa por conta da crise.”
Fonte: Folha de São Paulo