Zika é o problema mais grave do país, diz ministro da Saúde

Publicado em 12/04/2016 • Notícias • Português
Em meio ao quadro de forte restrição fiscal, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, garante que não faltarão recursos para o combate ao zika vírus – o maior problema do Brasil no momento atual, em sua avaliação – e defende a aprovação da CPMF compartilhada entre União, Estados e municípios para elevar as receitas destinadas à pasta.
“Todos sabem que aprovar um imposto no momento em que estamos é tarefa difícil, mas todos que eu conheço na área acham que a saúde pública do Brasil é subfinanciada”, disse o ministro ao Valor. Filiado ao PMDB, Castro sugere que não é tão simpático à posição do partido contra as vinculações orçamentárias, justamente por julgar que os recursos para a saúde são escassos.
Pela Emenda Constitucional 86, de 2015, no mínimo 13,2% da receita corrente líquida do governo federal precisa ser aplicada em saúde este ano – o equivalente a R$ 100,6 bilhões, segundo o ministro – percentual que deve subir a 15% até 2020. Nos Estados e municípios, a vinculação é de 12% e 15%, nessa ordem, mas algumas prefeituras chegam a comprometer mais de 30% da receita em gastos com saúde, destacou Castro.
“Esses municípios acabam sendo sacrificados. Então aí a nossa luta para aprovar um recurso novo”, afirmou. Já em relação ao controle do Aedes aegypti, Castro avalia que “dinheiro não é problema”, mas sim a mobilização da sociedade. “Posso dizer com segurança: até agora não faltaram recursos, não faltam recursos no momento e a previsão é que não faltarão.”
Castro também prevê uma situação “bastante tranquila e favorável” durante a Olimpíada, que, de acordo com ele, será realizada na época de recuo “vertiginoso” da população do mosquito transmissor da zika, da chikungunya e da dengue no Rio. Antes do evento, o governo deve fazer uma força-tarefa na cidade-sede para eliminar focos de transmissão. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Tecnicamente já se pode falar em epidemia de zika?
Marcelo Castro: Podemos tecnicamente chamar de epidemia de microcefalia, de zika, de chikungunya e de dengue. Temos 29 países em que o vírus circula nas Américas. A OMS está prevendo uma pandemia em 2016, com aproximadamente 4 milhões de pessoas infectadas pelo vírus nas Américas, – 1,5 milhão só no Brasil – e de todos os países, só dois não são vulneráveis ao mosquito: Canadá e Chile, pelas condições de clima.
Valor: A questão da microcefalia, como uma grande expansão, ainda está mais restrita ao Brasil. Há quem diga que os casos podiam estar subnotificados antes.
Castro: Isso não faz nenhum sentido. Está comprovado que o vírus zika causa a microcefalia, e havendo subnotificação antes, ou não, isso não muda o quadro. Se havia subnotificação, havia no país inteiro. Os hospitais são os mesmos, os médicos são os mesmos, as regras são as mesmas. O que mudou? A presença do vírus. Se pegarmos o gráfico da microcefalia nos últimos 15 anos, vamos encontrar uma curva na horizontal o tempo todo: 140, 150, 160, 170 casos por ano, no país inteiro. Em outubro de 2015, o gráfico dá uma subida na vertical. Não tínhamos zika nas Américas. No início de 2015, chegou no Brasil.
Valor: Não foi na Copa?
Castro: Pode ter sido durante uma disputa de regatas em que veio um pessoal da Oceania, onde o vírus circulava. O vírus começou na África, em 1947 foi identificado no macaco Rhesus, depois se espalhou, mas esse aqui é o vírus asiático, não é o vírus africano. Há pequena distinção entre eles. Aí teve uma epidemia na Micronésia em 2007, em 2013 teve uma epidemia na Polinésia Francesa, que pegou mais de 20% da população.
Valor: E nesses lugares também surgiram casos de microcefalia?
Castro: Pois é, não relataram. Agora estão fazendo estudos retrospectivos e estão encontrando. Quem deu o alerta mundial foi o Brasil. Nós não tínhamos o vírus, e tínhamos aproximadamente 150 casos de microcefalia por ano. O vírus chegou, e aí logo em seguida veio a síndrome de Guillain-Barré. Seis, sete, oito, nove meses depois, vieram os casos de microcefalia. Vamos supor que houvesse uma subnotificação, no Brasil inteiro. Por que então deixou de haver subnotificação só onde ocorreu o vírus? Não tinha lógica. Onde houve o maior número de casos de vírus? No Nordeste, principalmente na costa. Onde é que está havendo maior número de casos de microcefalia? No Nordeste, na costa. Nos outros Estados, com menos casos de zika, houve menos casos de microcefalia. Nos Estados sem zika, não há casos de microcefalia. Então do ponto de vista epidemiológico, está estabelecida a relação. Outra coisa: o padrão do cérebro das crianças com microcefalia é causado por infecção. E as causas são conhecidas: sífilis, toxoplasmose, pode ser a dengue, o HIV, mas principalmente rubéola, o citomegalovírus, o herpes, são as causas clássicas de microcefalia no mundo inteiro. Então tem até uma sigla pra designar isso: “s” de sífilis, “t” de toxoplasmose e assim por diante, e agora foi acrescentado o “z”. Não existia isso na literatura.
Vídeo: “Não estão faltando recursos no momento e a previsão é de que não faltarão”, diz ministro da Saúde
Valor: Quantos casos há no país?
Castro: Já estamos com 5,9 mil casos notificados. Isso tem dado muita confusão. A criança nasce, o médico mede o perímetro craniano. Se der valor inferior a 32 cm, ele diz “bom, isso é uma criança que pode ter microcefalia”. Então separa e notifica o Ministério da Saúde sobre um caso suspeito. A criança vai ser submetida a exames, e se comprovamos a microcefalia, vai para casos confirmados. Ou então chegamos à conclusão que o cérebro não é microcéfalo. Aí vai para casos descartados. Temos 641 casos confirmados de microcefalia e 1.046 descartados. O percentual é de cerca de 40%. Como temos hoje quase 6 mil casos, 40% seriam uns 2,5 mil casos confirmados.
Valor: Como o sr. explica a informação do governo da Colômbia de que no país há mais de 3 mil grávidas com zika e nenhum caso de microcefalia?
Castro: Fizemos um encontro dos ministros da Saúde do Mercosul e associados, com 14 países representados. E houve essa disparidade. O Brasil com inúmeros casos de microcefalia, e os outros com casos de Guillain-Barré, mas sem casos de microcefalia. A gente tem até um pouco de dificuldade de dizer isso, porque pode ser mal interpretado, mas a verdade é que, do ponto de vista científico, eles vão ter também. Essa é cronologia: epidemia de zika, casos de Guillain-Barré, depois casos de microcefalia. O pior é que os cientistas estão dizendo que a microcefalia causada pela zika é muito mais intensa e grave do que a causada pelas outras infecções conhecidas.
Valor: Mesmo diante da gravidade, a posição do governo continua sendo contra o aborto nesse caso?
Castro: O governo é muito grande e complexo. O ministro da Cultura [Juca Ferreira], por exemplo, já se posicionou a favor do aborto nesses casos. A posição do Ministério da Saúde é muito delicada, porque somos agentes públicos. A lei brasileira estabelece que só em três situações é permitido o aborto: anencefalia, estupro e no caso de perigo de vida para a mãe. Esse é um debate que está sendo travado na sociedade, mas nós, como agentes públicos, só temos uma posição: cumprir a lei. Enquanto a lei não mudar, nossa posição é essa.
Valor: Seria o caso de mudar a lei?
Castro: No caso de anencefalia, nem é a legislação que trata disso, é a jurisprudência. Foi o Supremo Tribunal Federal que deliberou assim, então o Supremo está sendo provocado também para se posicionar a respeito da microcefalia. Temos que aguardar pra ver o que o Supremo vai fazer, como o Congresso vai responder a isso.
Valor: Os especialistas afirmam que há muitas evidências, mas não existe ainda completa comprovação sobre o zika causar microcefalia.
Castro: O que falta ainda? É a gente poder dizer se o zika é uma causa necessária e suficiente para determinar a microcefalia, ou se precisa de algum fator predisponente ou contribuinte. Agora, que a causa da epidemia de microcefalia no Brasil é o vírus zika, isso é inquestionável. No momento, temos equipes do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde da Paraíba e do CDC [Centers for Disease Control and Prevention] americano trabalhando m conjunto. Estão aqui 17 pessoas dos EUA. Estiveram num passado recente estudando casos de Guillain-Barré e sua correlação com o vírus zika e agora estão estabelecendo essa correlação com a microcefalia, sobretudo para saber se o vírus, sozinho, é a causa, ou se há algum fator contribuinte.
Valor: E nem toda grávida que tiver zika necessariamente vai ter um filho com microcefalia.
Castro: Isso mesmo. Agora, quantas grávidas que tiveram zika vão ter a criança com microcefalia? Ninguém sabe. Tudo está sendo estudado e aprendido agora.
Valor: Neste momento de ajuste fiscal e cortes de orçamento, qual é o foco dos recursos do ministério?
Castro: No ministério, temos a concepção, e a presidenta Dilma tem sido enfática nesse aspecto, de que para esse problema não faltarão recursos. Entendemos que esse hoje é o maior problema do Brasil, não tem nenhum que ande perto. Para onde estamos destinando recursos? Primeiro, para o combate ao mosquito. Esse é o único caminho no momento. Não temos vacina, não temos remédios. A dengue no ano passado matou no Brasil 863 pessoas, 50 mil no mundo.
Valor: Qual é a melhor perspectiva para a vacina?
Castro: Essa é uma frente, a outra é tratamento. Estamos investindo no desenvolvimento de tratamento para a zika. Soros e anticorpos monoclonais, que são anticorpos muito específicos. O Instituto Butantan, o Instituto Bio-Manguinhos, o Instituto Evandro Chagas, o NIH [Institutos Nacionais de Estudos dos EUA], todos trabalham nessa linha para o desenvolvimento mais rápido possível.
Valor: Nessa área o desenvolvimento é um pouco demorado, não?
Castro: Demora um pouco, mas temos esperança de desenvolver isso mais rápido do que a vacina. Uma senhora está grávida, pegou zika. Imediatamente ela toma, faz o tratamento, o soro, ou os anticorpos, para combater o zika, para não provocar o efeito.
Valor: É coisa para este ano, para o ano que vem, daqui dois anos?
Castro: Em ciência nunca há um prazo, assim, mas os pesquisadores são muito otimistas, o Butantan já está produzindo o soro nos cavalos, já injetou o vírus… Estamos trabalhando com a expectativa de poder ser ainda este ano.
Valor: Não há como uma vacina ficar pronta antes do prazo de três anos?
Castro: A gente torce muito, né? Os cientistas são muito otimistas, acreditam que poderão desenvolver a vacina num tempo muito curto. Falam menos de um ano. Agora, desenvolver não quer dizer que a vacina estará pronta, precisa fazer estudos experimentais, em animais. No caso da zika, o Instituto Evandro Chagas e a Universidade do Texas estão trabalhando em conjunto. Uma parte da vacina vai ser desenvolvida lá, outra aqui. Aprovada, a vacina vai para os ensaios clínicos em humanos.
Valor: O sr. trabalha com que orçamento este ano? Quanto dele está direcionando para zika, dengue?
Castro: Temos um recurso de vigilância sanitária que é repassado aos Estados. No ano passado, foi R$ 1,29 bilhão. Este ano, R$ 1,87 bilhão. Além disso, tivemos uma emenda de relator de R$ 500 milhões. Então, para vigilância e ações contra o mosquito e o zika, estamos com número bem mais expressivo que em 2015. Mas o ministério tem orçamento de mais de R$ 100 bilhões e é evidente que essa é a prioridade zero, se precisar vamos remanejar. Se precisar enviar uma solicitação ao Congresso por mais recursos, vamos enviar. Posso dizer com segurança: até agora não faltaram recursos, não faltam no momento e a previsão é que não faltarão.
Valor: Mas o combate ao mosquito tem sido um pouco inglório…
Castro: A fórmula do sucesso é a conjugação de esforços do poder público com a sociedade. Água Branca [uma cidade de 17 mil habitantes no Piauí] controlou o mosquito, todas as casas viraram selo verde. E assim são inúmeros exemplos. A cidade de Jaguaribe, no Ceará, a cidade de Cedro. Em São Paulo, Cássia dos Coqueiros. Quanto Água Branca gastou para eliminar o mosquito? Zero. Quanto o governo do Piauí gastou? Zero. Quanto o governo federal gastou? Nada. Vamos desenvolver essa vacina do Texas, para onde estão previstos R$ 10 milhões. O problema no momento não é questão de dinheiro. O mais importante é a conscientização e a mobilização. Bastam 15 minutos por semana. Desde que seja feito uma coisa sistemática, rotineira. Como demora em torno de dez dias entre o ovo e o mosquito se tornar adulto, se fizer uma ação de sete em sete dias, não deixa ele nascer. A maneira mais eficiente de combater o mosquito é não deixar nascer.
Vídeo: “Para as Olimpíadas, estamos fazendo um esforço máximo no Rio”, diz ministro da Saúde
Valor: O ministério tem um plano especial para a Olimpíada?
Castro: Sim. Para a Olimpíada, estamos fazendo esse esforço que estamos fazendo no Brasil, e está sendo feito esforço máximo no Rio. A diretora-geral da OMS disse, e eu reforço, que teremos um período de segurança para as pessoas na Olimpíada. Agosto e setembro, quando acontecem a Olimpíada e a Paralimpíada, são os meses em que temos a menor incidência de dengue, a população do mosquito cai vertiginosamente. O maior número de casos é entre março e abril. Quando chega maio, começa a declinar. Em dezembro, começa a dar uma subidinha. É em fevereiro que sobe bem. Então, naturalmente, os níveis já são muito baixos. E com as providências que vamos tomar especificamente para o Rio, estamos seguros que a situação será bastante tranquila e favorável. Garantir, ninguém pode fazer, em medicina não existe isso.
Valor: Há preocupação do governo também em melhorar a estrutura de saneamento, que tem sido apontada por muitos especialistas como uma causa do problema?
Castro: O Brasil tem uma dívida grande com a sociedade nessa área, no Nordeste principalmente. O que é agravado pelo período de seca, porque as pessoas têm que fazer reserva de água. Posso dizer em defesa do governo que isso é uma situação histórica, que não vem desse governo. O governo que mais investiu em saneamento foi o da presidenta Dilma. O do presidente Fernando Henrique investiu, em oito anos, cerca de R$ 20 bilhões nisso, atualizando os números para agora. O Lula, em oito anos, investiu o dobro. E a Dilma, em quatro anos, investiu a mesma quantidade que o Lula. Se mantiver esse nível, ao fim dos oito anos terá investido o dobro do Lula e o quádruplo do Fernando Henrique. É o suficiente? Não, precisamos avançar muito mais. E estamos agora numa dificuldade financeira imensa, porque o país está em recessão. Mas sem dúvida é uma área em que o Brasil tem uma dívida que precisa ser reconhecida.
Valor: Já há avaliação da eficiência de medidas alternativas de combate ao Aedes, como o mosquito transgênico?
Castro: Estamos estudando a aplicação dessas novas tecnologias: o mosquito transgênico, o mosquito irradiado e o mosquito contaminado pela bactéria Wolbachia, para saber qual delas poderemos utilizar. O mosquito transgênico é o de mídia. Todo mundo já ouviu falar dele como a grande solução. Não estou dizendo que não seja tão extraordinário. Está comprovado que é efetivo? Está. Foi feito um teste num bairro de Piracicaba (SP), que mostrou que a população de Aedes aegypti caía mais de 90%, é uma coisa fenomenal. Foi feito um teste num bairro de Jacobina e em dois distritos de Juazeiro, na Bahia, e se comprovou que cai também. Qual é o problema? Não temos ainda o custo-benefício. Precisamos de uma tecnologia para alcançar um país inteiro. Para um bairro de Piracicaba funcionou, e para São Paulo e o Brasil inteiro? Vai funcionar? Quanto isso custa? Precisamos fazer os testes para dizer “é efetivo, pode ser desenvolvido, e custa aproximadamente tanto”. O mosquito irradiado fica estéril, compete com o mosquito natural e a fêmea não vai reproduzir. E a bactéria Wolbachia é inserida no mosquito, e ele perde a capacidade de transmitir doenças.
Vídeo: CPMF destinada à Saúde
Valor: O sr. tem expectativa de aprovação da CPMF? Será destinada à Saúde?
Castro: Aprovar imposto no momento é tarefa difícil, mas todas as pessoas que conheço ligadas à área acham que a saúde pública do Brasil é subfinanciada. Todos concordam que precisamos de mais recursos e a CPMF é talvez, de todas as alternativas, aquela que melhor atende a essa expectativa. Um erro da CPMF no passado, se posso dizer assim, foi ter sido instituída só para um ente, sendo que a saúde pública é compartilhada entre União, Estados e municípios. Se isso não tivesse acontecido, acho que a revogação da CPMF teria sido inibida. O outro erro foi ter sido mais um recurso substituto do que um acréscimo. Entrou por uma porta e saiu pela outra. Agora, estamos construindo isso de maneira que o recurso vá para os três entes federados. Hoje, o elo da cadeia com peso maior na saúde são os municípios, que têm obrigação de aplicar ao menos 15% de suas receitas correntes líquidas em saúde. A média em 2014 foi 23%. Muito acima da obrigatoriedade. Inúmeros municípios estão gastando 32%, 35%, 37%. Mais de 30% é comum, principalmente em cidades que são polo regional em saúde. Esses municípios terminam sendo sacrificados. Daí a luta para aprovar um recurso novo, e principalmente para levar esses recursos para os municípios.
Valor: Diante da rigidez orçamentária, não seria mais eficiente trabalhar com metas? De universalização do atendimento, em vez de vinculações?
Castro: Esse é um assunto que transcende as funções do Ministério da Saúde. O PMDB tem defendido a desvinculação total das receitas. O meio empresarial viu isso com bons olhos, mas as pessoas que têm preocupação social, não. A lógica é: se hoje é obrigatório e os recursos não são suficientes, se não for obrigatório… Há subfinanciamento.
Fonte: Valor Econômico