Como a Johnson & Johnson quer superar os próximos grandes desafios da medicina
Publicado em 11/06/2018 • Notícias • Português
Só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos.” A má notícia é que a célebre frase do estadista americano Benjamin Franklin continua verdadeira. A morte, no entanto, ficará cada vez mais distante. As próximas décadas abrirão espaço para uma geração habituada a chegar aos cem anos. Grandes fantasmas atuais, como o câncer e a aids, se não neutralizados, serão domados. A impressão 3D invadirá em definitivo os centros cirúrgicos. Novos medicamentos e técnicas de diagnóstico ficarão mais eficientes em aliviar as dores da humanidade. O mundo, mais grisalho, terá suas aflições substituídas. Entrarão em cena os novos vilões da saúde: as doenças degenerativas, principalmente a demência. É assim que Paul Stoffels, da Johnson & Johnson, pinta o futuro da medicina. O executivo belga, de 55 anos, é o principal responsável pela estratégia de inovação da multinacional. Um colosso com faturamento de US$ 70 bilhões por ano, a J&J é dona de marcas icônicas no setor farmacêutico, como o Tylenol. Médico de formação, Stoffels comanda um orçamento anual de cerca de US$ 9 bilhões em P&D. Aqui, ele fala sobre os planos da J&J para os próximos anos, revela as principais apostas da empresa e o que está sendo preparado nos laboratórios e centros de inovação da companhia.
Época Negócios Quais grandes mudanças veremos no setor da saúde nos próximos anos?
Paul Stoffels O digital vai mudar bastante a maneira como a informação médica é administrada. Teremos a influência da inteligência artificial e do big data. Ao mesmo tempo, a biologia está avançando rapidamente. Eu nunca estive tão animado quanto agora com o que está acontecendo no mundo científico. Vemos avanços na maioria dos diagnósticos. Em tratamentos, fomos da manipulação de pequenas moléculas a anticorpos, e agora temos a terapia celular [injeção de material celular em pacientes], a nova fronteira para curarmos o câncer. Hoje, sabemos como o microbioma [conjunto de bactérias e outros microrganismos que habitam os corpos] influencia nosso corpo em casos de diabetes, inflamação e diferentes doenças. Começamos a aprender mais sobre a vida de uma forma bastante acelerada. Como indústria, temos trabalhado bastante na busca de curas e tratamentos, mas agora temos também a possibilidade de interceptar e prevenir doenças. E isso abre inúmeras possibilidades para tratarmos das enfermidades de uma maneira diferente.
Negócios O sr. poderia dar algum exemplo?
Stoffels Nos casos de câncer de próstata e de mieloma múltiplo [que afeta as células plasmáticas, responsáveis pela produção de imunoglobulinas, anticorpos que ajudam a proteger o organismo contra infecções por vírus, bactérias ou fungos], nós cuidávamos dos pacientes em estágio avançado, conseguindo apenas prolongar a vida por alguns anos. Agora, sabemos como começar o tratamento ainda nos estágios iniciais da doença. Dessa forma, é possível intervir rapidamente e evitar a metástase e o avanço do câncer. Em doenças infecciosas, como o HIV, também passamos a tratar os pacientes bastante cedo, além de trabalhar na prevenção e no desenvolvimento de vacinas.
Negócios Quais são as prioridades da J&J hoje em termos de inovação na saúde?
Stoffels Queremos curar as doenças mais desafiadoras. Eu me refiro ao câncer, a atrasar o progresso do Alzheimer, a curar a hepatite C e B e prevenir o HIV.
Negócios Quais produtos a J&J pretende colocar no mercado nos próximos anos?
Stoffels Estamos trabalhando num novo medicamento chamado Esquetamina, para a depressão, que está em estágio final de desenvolvimento, e num remédio para câncer de próstata, o Apalutamida, também em estágio final. Mais para a frente no nosso planejamento, temos previstos medicamentos para gripe (influenza) e VSR [vírus sincicial respiratório, um pneumovírus responsável por inúmeros casos de infecções do trato respiratório em crianças], além de uma vacina contra o HIV.
Negócios O sr. considera que será possível um dia erradicar a aids?
Stoffels Para combater o HIV, temos trabalhado já faz um bom tempo com o coquetel antirretroviral. Atualmente, a expectativa de vida com o tratamento é próxima à normal. Agora o que queremos fazer é simplificá-lo, para que os pacientes tomem apenas uma injeção por mês ou uma a cada dois meses. Ou seja, seis por ano. A cura, no entanto, é difícil de ser alcançada, porque o vírus do HIV se integra ao genoma, o que torna complexo eliminá-lo. Obviamente, a vacina seria a melhor alternativa e nós já começamos a trabalhar nela.
Negócios No futuro, seremos capazes de encontrar uma cura para o câncer?
Stoffels Hoje, muita gente vence o câncer com detecção e tratamento em estágios iniciais. O diagnóstico precoce, junto a uma combinação de diferentes medicamentos e radioterapia, pode levar à cura. Com o crescimento da expectativa de vida no mundo, muito mais pessoas chegarão aos cem anos, e várias delas terão câncer uma, duas ou três vezes em suas vidas. Ter câncer fará parte da vida normal. Seremos capazes de curar todos os tipos? Não. Muito mais do que hoje? Com certeza.
Negócios O tratamento de câncer ficará mais barato nas próximas décadas?
Stoffels Vai ficar mais acessível ao longo do tempo, e isso tem a ver com o fato de que as primeiras versões de medicamentos exigem investimentos muito altos.
Negócios A J&J tem diversos centros de inovação ao redor do mundo. O que há de mais empolgante acontecendo neles, na sua opinião?
Stoffels Nós vasculhamos o que há de mais interessante no mundo inteiro para o futuro da medicina e também para o consumidor. Buscamos maneiras de incentivar empreendedores a fundar empresas e os apoiamos com nossos laboratórios, capital, insights e conselhos. São nossos centros de inovação que coordenam essas atividades. Trabalhamos com uma grande comunidade empreendedora. São cerca de 500 empresas atualmente. Trata-se, para nós, do futuro da ciência e da tecnologia e de como podemos promovê-lo e nos beneficiar. Hoje, temos várias companhias trabalhando com microbioma, impressora 3D para cirurgias, tecnologias para tratamento de câncer etc. Também estamos trabalhando em uma máscara leve antiacne.
Negócios O que vocês estão desenvolvendo na área de impressão 3D?
Stoffels A impressão 3D em aparelhos médicos está evoluindo muito rápido, com foco em peças customizadas para cirurgia e ortopedia. É um tipo de impressão de base biológica, com a função de repor tecido ou um osso, diferente daquela de base mecânica, quando se imprime um instrumento. Tudo isso é possível hoje. E está entrando no mundo médico rapidamente.
Negócios Nas próximas décadas, seremos capazes de também imprimir órgãos humanos?
Stoffels Nunca diga nunca. A impressão 3D biológica está ocorrendo, mas ainda estamos muito longe de imprimir um órgão para que ele seja transplantado, como hoje fazemos com um rim ou fígado.
Negócios Até que ponto o senhor acha que conseguiremos prolongar a vida humana? Alguns cientistas chegam a dizer que poderemos alcançar os mil anos, porque conseguiremos erradicar as doenças que nos matam.
Stoffels Eu não concordo. Com certeza, teremos um número bastante significativo de pessoas chegando a cem anos e várias aos 120, mas a vida tem um fim. Há um mecanismo interno que determina isso. E eu espero que não estejamos em busca de mil anos, porque o mundo não suportaria. Mas a expectativa de vida vai aumentar, principalmente quando conseguirmos superar a questão do câncer. Isso aconteceu inúmeras vezes ao longo da história. Primeiro, com as doenças infecciosas. Na Idade Média, as pessoas viviam 30, 40 anos, por causa de enfermidades como a peste. Depois, fomos para 50, 60, 70 anos, com a revolução industrial, água limpa e vacinas. Agora, o câncer é a próxima fronteira. Porém, depois dele, teremos ainda de enfrentar outras doenças, como as degenerativas. Enquanto o diabetes e o câncer são hoje os grandes desafios da medicina, a demência será o do futuro. E não estamos muito longe disso. Dar apoio a idosos vivendo com dificuldades mentais será uma enorme preocupação mundial.
Negócios As pessoas vão viver mais, mas elas viverão melhor? A medicina está avançando o suficiente para garantir isso?
Stoffels Nós, como cientistas e como empresa, poderemos intervir quando houver questões biológicas, tratá-las e curar os pacientes. Mas, para viver uma longa vida, as pessoas terão de cuidar de sua saúde e se manter em forma. Comer menos açúcar, não assistir tanto à televisão e ser ativo vai ser importante.
Fonte: Época Negócios