Pacientes sofrem com UPAs sem médicos
Publicado em 27/06/2016 • Notícias • Português
ançadas como solução para desafogar os hospitais públicos, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do estado estão sem médicos, faxineiros e até sem medicamentos, por causa da crise financeira. Ontem, a auxiliar de serviços gerais Alessandra dos Santos Alves, de 36 anos, bateu à porta da UPA de Bangu com a filha, Nicole, de 4 anos, ardendo em febre. Nem passou pela triagem. Mal chegou, foi informada por um funcionário de que os atendimentos estavam suspensos porque nenhum médico havia comparecido ao trabalho. Também não havia auxiliares de enfermagem, remédios para serem oferecidos aos pacientes ou pessoal para fazer a limpeza de salas e ambulatórios.
Aconselhada a procurar a UPA de Realengo, Alessandra encontrou por lá um cenário parecido: havia apenas dois médicos (um pediatra e um clínico geral). Já os funcionários da limpeza, sem receber salários, não tinham comparecido. Como a filha continuava passando mal, ela decidiu juntar-se a dezenas de pacientes que aguardavam atendimento desde cedo, sentados numa sala cheirando a vômito e com lixo espalhado pelo chão.
De acordo com o Sistema Informatizado de Controle de Escalas de Serviço da Secretaria estadual de Saúde, ontem, a partir das 7h, oficialmente havia três clínicos gerais e dois pediatras de plantão até as 19h nas duas UPAs.
ORGANIZAÇÃO SOCIAL CULPA DÍVIDAS
A organização social Lagos Rio, que administra as duas unidades, admitiu que ontem elas “operaram de forma restrita, atendendo apenas às demandas com classificação de risco de pacientes amarelos e vermelhos”. Ou seja: apenas quem chegava em estado grave era atendido. Segundo a OS, a culpa é dos atrasos nos pagamentos e das dívidas acumuladas pelo governo. A Lagos Rio disse que vem tendo dificuldades para depositar salários e quitar seus débitos com fornecedores.
Como ontem só havia um pediatra, Alessandra foi avisada pela equipe de triagem que não havia previsão para atendimento da menina. Chegou à UPA de Realengo pouco antes das 9h e às 13h ainda estava na recepção, esperando ser chamada. Para enganar a fome, mãe e filha comeram biscoitos.
— O serviço piorou muito. Já estive aqui umas duas vezes ano passado, e a UPA não era tão suja — lamentou.
Outras sete mulheres aguardavam atendimento desde cedo com os filhos no colo. A dona de casa Evani Nunes, de 25 anos, mãe de Lara, de 2, chegou a Realengo às 9h. Até o início da tarde, não tinha conseguido entrar na sala do pediatra com a menina.
— Minha filha está com tosse e muito catarro. Disseram que não há previsão de atendimento, porque a prioridade são as emergências. Estive aqui dois meses atrás e fui atendida logo, por isso voltei. Vou esperar porque minha filha não está bem — disse Evani.
O ambiente sujo piorava o sofrimento. Segundo pacientes, mais cedo, uma mulher se sentira mal e vomitara no chão da sala de espera. Sem funcionários para fazer a limpeza, alguém jogara um pouco d’água no local para tentar reduzir o mau cheiro.
— Está uma bagunça. E olha a sujeira. Tem de tudo no chão, até algodão com sangue — mostrou o feirante Paulo Roberto Dias Pacheco, de 57 anos, morador de Realengo, apontando para uma poça em que havia restos de material usado em curativo, incluindo uma seringa e luvas descartáveis.
Do lado de fora da unidade, o cenário de sujeira e abandono se repetia. No gramado, havia latas de refrigerante, pacotes de biscoito, copos plásticos e até uma fralda usada. O aposentado Joaquim Julio da Silva, de 63 anos, ficou horrorizado com a imundície no banheiro masculino.
— Tudo sujo, papel higiênico no chão, um cheiro horrível. Tive que prender a respiração para conseguir entrar — disse Joaquim.
Em nota, a OS disse reconhecer “o empenho da Secretaria de Estado de Saúde em buscar a regularização do repasse mensal, em meio à grave crise financeira (…), e que prioriza o pagamento de salário dos funcionários”. Afirmou ainda que mantém diálogo com o órgão e que ambos estão “empenhados para, até o fim da semana, quitar parte da dívida com fornecedores e retomar a normalidade no atendimento”. A OS não quis informar qual o valor da dívida do governo estadual.
Já a Secretaria estadual de Saúde afirmou que “todas as organizações sociais estão recebendo repasses mensais”. E acrescentou: “A secretaria reconhece a existência de débitos anteriores e vem solicitando às OSs que priorizem o pagamento de seus funcionários e a manutenção dos serviços. Vale lembrar que a secretaria vem trabalhando com 30% dos recursos previstos, tendo em vista a grave crise financeira do estado. É importante reforçar que todos os recursos disponíveis para a pasta estão sendo destinados, como prioridade, para a manutenção do funcionamento das unidades de saúde”.
UPAS TIVERAM QUE REDUZIR CUSTOS
Segundo o órgão, este ano, a OS Lagos Rio recebeu R$ 5,8 milhões referentes à UPA de Realengo, sendo que o último pagamento, no valor de R$ 600 mil, foi realizado em junho. Ainda de acordo com a secretaria, em 2016 já foram pagos outros R$ 6,7 milhões referentes ao contrato da UPA de Bangu, com o último pagamento, no valor de R$ 500 mil, tendo sido feito em junho. O órgão reconhece “que há problemas” e diz estar trabalhando “no sentido de regularizar os repasses para a OS até esta sexta-feira (amanhã)”. Destaca ainda “que todas as unidades da rede estadual seguem em funcionamento”.
Em janeiro, por causa da crise financeira, a Secretaria estadual de Saúde estabeleceu que as OSs, que administram 29 UPAs, só podem gastar até R$ 1 milhão por mês com custeio, pagamento de funcionários, exames e medicamentos. A redução de valores faz parte de um plano de restruturação anunciado pelo secretário Luiz Antônio Teixeira Júnior. O governo decidiu, por exemplo, que nenhum doente ficará mais de 12 horas em qualquer uma das UPAs (embora elas continuem a funcionar 24 horas por dia). Segundo o secretário de Saúde, as novas medidas representarão uma economia de cerca de R$ 250 milhões do total de R$ 1,2 bilhão que o estado quer reduzir este ano nos gastos da área. A ideia é diminuir custos com o fim da internação.
A falta de receitas na saúde levou a uma situação de caos no setor em dezembro, quando ocorreu a suspensão do atendimento nos principais hospitais do Rio, como o Getulio Vargas, na Penha, o Hospital da Mulher, em São João de Meriti, e o Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias. Até os transplantes chegaram a ser suspensos no Hospital São Francisco da Providência de Deus, na Tijuca.
Fonte: O Globo