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Menos política, mais saúde

Publicado em 11/05/2016 • Notícias • Português

Conhecimento, trabalho em equipe, pé no presente e olhar no futuro é o tripé em que Claudio Lottenberg joga as fichas. O presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein aposta na quebra de paradigmas. Balançou a comunidade médica ao tornar o paciente o centro do processo e adotar o modelo de saúde multiprofissional. Contrariou a tese de que o pobre se contenta com a sobra dos ricos. Abriu o Einstein para o SUS e oferece o mesmo padrão de qualidade para os dois hospitais públicos que a rede atende.

Defende a educação de qualidade para melhorar nossa representação política: ao eleitor faltam os instrumentos que o habilitem a fazer escolhas mais criteriosas. Adepto do trabalho e da ética, critica os políticos que se apropriam dos programas sociais. “O cidadão recebe o que tem direito. Vangloriar-se do aumento de 9% no valor da bolsa-família é se apoderar do alheio.” Atento ao cenário político, acredita que Temer tem qualidades que o habilitam a fazer um bom governo “se os políticos deixarem”.

O oftalmologista de 55 anos, otimista por natureza e advogado da liberdade de escolha, acredita em Deus, nos homens e na compaixão. Filho de comerciante da 25 de Março e dona de casa, está no segundo casamento, tem 5 filhos (dois dos quais gêmeos de 8 anos), acredita na ciência e nos valores éticos e morais. Acorda cedo, anda, faz pilates e cuida da alimentação. Leve e fluente, de terno sem gravata, falou ao Correio nas dependências do Eistein.

Qual sua expectativa para o governo Temer? Quais conselhos o senhor daria ao presidente Temer sobre como melhorar a saúde no Brasil?
O primeiro: tratar a saúde com mais políticas de saúde e menos política na saúde. Saúde é assunto desafiante, com significado singular. Se for dado ao setor oportunidade de trabalhar de forma estruturante e não meramente compensatória, com a garantia de medidas perenes, o Brasil pode ganhar muito tanto na assistência quanto na empregabilidade. Cinco milhões de pessoas trabalham na área. O segundo: independentemente de quem venha a ocupar a pasta, é importante ouvir quem entende do assunto.

A saúde no Brasil pode dar certo?
Um plano de gestão com seis pontos é capaz de mudar o quadro desolador:
1. Fortalecer a medicina primária. Pôr em cena a tecnologia de comunicação, com recursos da telemedicina, que pode ligar pontos distantes e controlar o básico, como vacinação e medidas sanitárias.
2. Habilitar equipes multiprofissionais. Implica desmistificar a necessidade médica. Médico faz parte de uma equipe, de um time. O ato médico precisa ser revisto. Com isso, os médicos cubanos, que são enfermeiros treinados, deixarão de ser necessários.
3. Fazer um plano diretor de TI e um plano diretor de aparelhamento. Significa dotar a infraestrutura de informação e conhecimento. É importante saber as carências em vez de abrir hospitais em todos os cantos.
4. Institucionalizar o Ministério da Saúde. Médico precisa ser carreira de Estado. Com isso, teremos médicos nos lugares mais distantes. Sem isso, muita política e pouca técnica.
5. Alocar mais recursos para o setor. Implica planejamento pormenorizado para que verbas não escorram pelo ralo.
6. Ver a saúde como grande cadeia produtiva. A capacidade de geração de empregos e transferência de tecnologia é enorme.

O orçamento da saúde é suficiente? A CPMF é necessária?
O Orçamento destina 9,5% do PIB à saúde. Mas os recursos são insuficientes. A área privada, que atende 25% da população, fica com 50% do montante. A verba destinada ao SUS não cobre as necessidades. Mas aportar valores do porte dos da CPMF sem projeto estruturante será grande desperdício.

Qual sua expectativa para o governo Temer?
A perspectiva de um governo mais técnico tem sido frustrante. Antes de qualquer iniciativa, discute-se o segundo e o terceiro escalão. Cadê o preparo? Cadê a competência técnica? Invertem-se os valores. Servir à estrutura do governo deveria ser ato contributivo, não aspiracional. O plano individual se sobrepõe ao coletivo. É triste. Veja a votação do impeachment. A maneira como os deputados se manifestaram foi desapontadora. Mesmo pessoas que gostariam de colaborar, como eu, perdem a vontade. Temer tem atributos de estadista. É dos melhores constitucionalistas do país, gosta de escutar, tem interesse real nas questões públicas. O problema é os políticos darem uma trégua à nação. Se continuar a pressão da barganha, nem Deus, Jesus ou Moisés juntos terão o que fazer.

Como o senhor avalia a forma de organização do governo, com distribuição de cargos por apoio?
Convidar pessoas sem permitir que formem equipe é o contrário do mundo que não funciona. O trabalhador isolado não existe. São pessoas que colaboram para que as coisas funcionem. Quem se dispõe a aceitar o cargo sem equipe não tem compromisso com os desafios. Busca apenas a visibilidade. Neste momento tão delicado para o país, os políticos deveriam dar um tempo, esquecer os interesses pessoais e dar espaço para novas lições, novas tarefas. Novo governo é isso.

O Congresso está sintonizado com a contemporaneidade? E a Justiça?
Parlamentares desempenham papel decisório porque elaboram projetos, debatem, votam. Mas têm conhecimento raso do assunto. Respondem por estragos irreversíveis. Saúde envolve temas peculiares. Denunciar a falta de remédio é importante. Mas é importante também conhecer a cadeia produtiva que origina o remédio. A falta de preparo não é exclusiva da classe política. É geral. Lembremos a judicialização da saúde. Uma decisão obriga a entrega de medicamento com evidência científica não comprovada. Se não cumprir a ordem, o secretário vai preso. Deixa, então, de fazer a vacinação de um grupo de 14, 15, 30 mil escolares. Estudantes pegam gripe. Um morre. O doente também morre. Resultado: deixa-se de salvar quem poderia ser salvo. Impõe-se preparo de quem participa da estrutura do Estado.

A degradação na representação política da sociedade tem a ver com financiamento de campanha?
A sociedade tem de passar por revisão ética. A digitalização ajuda no processo. Tudo que se faz acaba registrado por câmeras ou rastreamento bancário, telefônico. O medo serve de freio, não princípios e valores. É triste. Mas o importante é o efeito prático para mudanças de comportamento.

O brasileiro desconfia da iniciativa privada pela ideia do Estado provedor. Como vencer as resistência?
Muitos têm leitura dos fatos radical, ideologizada. Usam o verbo “entregar” ao falar da participação privada. Trata-se de simplismo de quem desconhece o assunto. O governo deve garantir o acesso, fiscalizar a qualidade e ditar as mecânicas regulatórias por meio das agências reguladoras. Não precisa construir prédios. Para responder às urgências de uma sociedade cada vez mais complexa, necessita de ajuda.

O que deu errado na universalização do acesso à saúde e à educação?
A excelência se modifica segundo dinâmica apurada e perspicaz. Criar cenários, investir recursos e fazer as mudanças necessárias para responder às urgências da realidade exige agilidade que o Estado não consegue acompanhar. Nosso grande problema foi a falta de percepção. A saúde, como a educação, ficou alijada do setor privado, apto — graças à sua natureza competitiva — a fazer a leitura correta do tempo e agir com rapidez. O divórcio público-privado deu no que deu.

O Brasil envelheceu antes de enriquecer e se educar. Que impactos essa realidade exercerá na saúde?
A sustentabilidade do envelhecimento tem receita clara. De um lado, as pessoas têm de trabalhar mais. Há urgência de mexer na idade de aposentadoria. De outro, o país tem de voltar a crescer. Para chegar lá, investimentos se impõem.

Como avalia a política externa do governo Lula?
Lula hostilizou Israel. Aproximou de Maduro, Fidel e Morales. Mas não foi só por ideologia. Havia interesse econômico-financeiro – do partido e pessoal. Atribuiu-se ao mensalão caráter político-partidário. Com o petrolão, ficou patente que o interesse real não inclui o partido. Trata-se de enriquecimento pessoal. A visão lírica, sonhadora, de compromisso com o social era fachada para o enriquecimento ilícito. O líder tem função representativa. Suas colocações são observadas e exercem papel educativo. Disse isso ao presidente Lula em relação ao presidente do Irã. Ahmanidejah praticava o sexismo no país e negava o holocausto. Manter relações comerciais é compreensível, mas emprestar a amizade não. “O senhor é símbolo nacional”, disse-lhe. “Bater nas costas dele dá a impressão de que pactua com ele. Envergonha o país.” Lula repetiu o gesto pouco depois em Nova York. Publiquei, na oportunidade, o artigo “Oportunidade perdida em NY”. Ele reagiu feio. Pressionou setores importantes da comunidade judaica pra que se voltassem contra mim. Foi além. No almoço oferecido ao presidente israelense Shimon Peres, que visitava o Brasil, fui retirado da lista de convidados. Eu era presidente da Comunidade Judaica do Brasil.

Qual a importância dos valores na vida do indivíduo?
A pessoa é fruto dos valores que tem. Quando os nega, esquece quem é, de onde veio, o propósito de estar aqui. Lá na frente, migra para o lado que o vento sopra. Quando o valor é o dinheiro, vende a alma ao diabo. Sou judeu convicto porque encontro no judaísmo densidade e referência para o que quero fazer. Tenho temor a Deus.

O senhor desenvolve múltiplas atividades. 24 horas bastam?
Tudo que faço é com muito amor. Tenho a sorte de na vida ter pessoas que me apoiaram e apoiam incondicionalmente. Meu pai, minha mãe, minha mulher. Casei com uma pessoa cúmplice. Nunca combino nada com ela, mas ela está sempre combinada comigo nos meus sonhos.

Quais os planos para 2016/2017?
Vou deixar a presidência do Einstein, mas serei presidente do conselho. Planos: preparar a geração futura. Minha preocupação não é deixar legados, mas criar cenários para legados futuros.

Dizem que quando a gente morre, Deus faz uma única pergunta: você foi feliz?
Nada é mais importante que a felicidade. Persegui a minha. Escolhi a profissão de que gostava. Casei com a mulher que amava. Construí patrimônio. A religiosidade só me fez bem.

Fonte: Correio Braziliense

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