Temer e os serviços públicos
Publicado em 06/05/2016 • Notícias • Português
Confirmada a troca de presidentes, o novo governo assumirá com um enorme desafio pela frente. O maior, sem dúvida, será tirar a dívida pública da rota explosiva em que o atual governo a colocou. Não será fácil: a União opera com déficit gigante, vários governos estaduais não conseguem pagar suas contas, grandes estatais estão quebradas e os bancos públicos estão seriamente debilitados.
Para fazer face a esse quadro de terra arrasada, que também inclui uma profunda recessão e desemprego alto e subindo, medidas como a reforma da previdência, a desvinculação de receitas públicas e tetos para o aumento dos gastos e da dívida são praticamente inevitáveis. Mas o governo precisa ir além de apagar incêndios: ele também deve ter um plano de reconstrução nacional, uma agenda positiva que dê aos agentes econômicos a perspectiva de retomada do desenvolvimento.
Ampliar o investimento privado em infraestrutura é uma das propostas dessa agenda. Faz sentido: há décadas o país investe pouco nessa área e a demanda reprimida por esses serviços é grande. Isso reduz o risco de demanda, especialmente para a reabilitação e ampliação de instalações já existentes, e facilita financiar os investimentos cobrando pelos serviços. Todos têm a ganhar: os usuários, com a oferta de mais e melhores serviços; as empresas, pela oportunidade de novos negócios; o Estado, pela liberdade de focar em outras áreas em que sua atuação é mais essencial.
Há uma longa lista de projetos de rodovias, portos e aeroportos nessa situação, cuja realização ajudará a reativar a economia. Isso será facilitado se, como se espera, o novo governo se livrar do ranço ideológico que marcou a atual administração, e que criou um risco político-regulatório desnecessário, que precisou ser compensado por elevados subsídios do BNDES, onerando as contas públicas.
Para que as iniciativas nessa área de fato tenham impacto relevante é preciso, contudo, ir além de uma lista de projetos: tem-se de simultaneamente montar um programa que dê aos empresários um horizonte mais amplo que 2018. Esse programa deveria ter três elementos principais.
Primeiro, seu objetivo deve estar claro e ser compartilhado por toda a sociedade. No meu entender, esse objetivo deveria ser a ampliação e melhoria da oferta de serviços públicos no Brasil. Ou seja, ampliar o acesso do cidadão e das empresas brasileiras a serviços públicos de qualidade. Isso abrange a infraestrutura, mas não se limita a ela. Com as devidas adaptações, o que vale para uma rodovia vale também para uma escola ou um posto de saúde. O desafio, em cada caso, é ver como a combinação de recursos públicos com investimento e operação privada viabiliza esse objetivo. Essa discussão abrange questões como focar os subsídios nos pobres e responsabilizar os provedores de serviços, inclusive dando mais voz aos usuários.
Segundo, realizar projetos de provisão de serviços públicos deve se tornar uma atividade permanente. Para isso é preciso planejamento, avaliação e desenvolver uma indústria de preparação de projetos. Novamente, isso inclui os projetos de infraestrutura, mas também as parcerias público-privadas (PPPs) na área social. Há farta experiência internacional a que se pode recorrer: é nessa área que os países desenvolvidos hoje focam suas PPPs. Ainda que algumas dessas áreas sejam competência de Estados e municípios, há muito que a União pode fazer para avançar com um programa desses.
Terceiro, é essencial aparelhar o setor público para interagir com a iniciativa privada na realização e gerenciamento desses projetos. Aqui há duas dimensões principais. Uma se refere à preparação e à licitação dos projetos; ou seja, colocar o projeto de pé, que é onde a administração Temer parece mais focada. Outra, a do gerenciamento dos projetos durante sua realização e operação. Na infraestrutura, este papel cabe às agências reguladoras, que precisam ser reestruturadas. Na área social, há muito a aprender com a experiência de Estados e municípios brasileiros, como no caso dos hospitais e postos de saúde, que são financiados pelo setor público e operados pela iniciativa privada.
A necessidade de conter o aumento do gasto público limita o espaço para atender à demanda social por mais e melhores serviços públicos simplesmente gastando mais com o modelo atual. A boa notícia é que há muito que pode ser feito aumentando a eficiência do gasto público no Brasil, tanto no sentido de investir e operar de forma mais eficiente, como de focalizar melhor os subsídios públicos nos pobres. E uma agenda de maior eficiência na provisão de serviços públicos irá interagir favoravelmente com a agenda fiscal, tirando o foco da limitação de recursos e colocando-o onde deveria estar: no usuário.
A equipe de Temer parece compartilhar esse diagnóstico. Deve-se agora combiná-lo com um programa bem estruturado, que aproveite o fato de que, para sair da crise atual em um horizonte razoável, o Brasil precisará se reinventar.
Fonte: Valor Econômico