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As gorduras da PEC do gasto

Publicado em 17/08/2016 • Notícias • Português

As complicadas negociações do projeto de lei que renegocia a dívida dos Estados deram, ao governo, um aperitivo sobre o desafio que ele terá para aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um limite de crescimento dos gastos públicos pela inflação. Apesar de ter sido votada sem dificuldades na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, fontes do governo já admitem que será necessário ceder em alguns pontos nas negociações que vão se intensificar a partir da semana que vem na Comissão Especial.

Diante de um Congresso aliado, mas bastante corporativista e fragmentado, a questão que se coloca é sobre o quanto de gordura o governo reservou na PEC para queimar nas discussões com o Parlamento sem que a medida perca a eficácia esperada.

Mapear onde a equipe econômica pode ceder para viabilizar a aprovação da medida que busca colocar um freio na crescente trajetória do gasto público não é tarefa fácil, até porque estrategicamente não interessa ao governo abrir esses flancos. Mas já é possível visualizar, em conversas de bastidores no governo e no Congresso, quais os pontos onde o Executivo poderá ceder.

A pedra mais cantada para sofrer mudanças é o tratamento para as áreas de saúde e educação. Sabendo que elas já seriam alvos de forte pressão, a equipe econômica garantiu no texto original que estas despesas terão correção anual no mínimo pela inflação. Nada impede, segundo o discurso oficial, que elas cresçam mais, desde que outras despesas subam menos ou caiam, mantendo o gasto total dentro do limite estabelecido.

Mesmo assim, as resistências ao que já se convencionou chamar de “congelamento” dos gastos nessas áreas prioritárias só crescem. Assim, a caixa de ressonância do Congresso já aponta para alguma “excepcionalização” adicional desses dois itens, de forma a reduzir essas objeções. Possibilidades como correção diferenciada ou mesmo retirada da conta estão na mesa, mas os impactos de tais iniciativas ainda precisam ser calculados.

O problema de se estabelecer exceções é que normalmente este é um processo com alto risco de se perder o controle. E aí o governo terá que ser duro para evitar que a PEC 241 se torne uma peneira inócua.

Outra gordura que o governo teria para queimar no Parlamento é o prazo de validade da medida. O “novo regime fiscal” tem duração prevista de 20 anos, com a regra podendo ser alterada depois do décimo ano de vigência. Reduzir esse prazo pode ser um caminho para demonstração de boa vontade com os congressistas. O economista Felipe Salto – que é ligado ao PSDB e lançou um livro sobre finanças públicas com o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida – considera que os prazos poderiam ser reduzidos pela metade, ou seja, a PEC poderia durar dez anos, com a regra podendo ser alterada no quinto ano, sem maiores problemas.

A vantagem de um prazo mais curto é que pode diminuir o temor de uma redução excessiva do Estado, especialmente na prestação de serviços para uma população crescente e que fica idosa em velocidade cada vez mais acelerada na próxima década. Além disso, reforçaria o caráter transitório da medida para restabelecer o equilíbrio fiscal, reduzir a dívida pública e as taxas de juros. Nesse caso, o risco para o governo é não conseguir conter o Congresso e permitir uma redução excessiva de prazo, que coloque em dúvida a eficácia da medida, mudando o humor do mercado financeiro, ainda bastante favorável ao governo.

Outras possibilidades de mudanças poderão surgir, à medida que as emendas sejam apresentadas pelos deputados da comissão especial. O governo sabe que, apesar de majoritariamente composta por aliados, boa parte dos deputados é ligada a grupos politicamente fortes, como servidores públicos e as bancadas da saúde e educação.

O próprio relator da matéria, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), é um representante da bancada da saúde, setor com o qual já nesta semana deverá se reunir para ouvir avaliações e sugestões sobre a PEC. Vale lembrar que entidades ligadas à saúde já se mobilizam fortemente contra a PEC, inclusive com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Apesar de ligado a essa bancada, os primeiros sinais dados por Perondi são alentadores para a equipe econômica. O relator da matéria não só evita falar em modificações no momento como já incorporou um discurso enfático sobre a gravidade da crise fiscal brasileira e a importância da PEC para reverter esse quadro. “O dia do juízo final pode ser evitado se a PEC 241 for aprovada”, disse Perondi em conversa com a coluna.

O parlamentar destaca que será feito um trabalho de convencimento junto a seus colegas de Congresso sobre a importância da PEC. Nesse sentido, ele cobra que o mercado tenha paciência para entender o tempo do Parlamento e que o processo de recuperação da economia brasileira não será rápido. Perondi também se alinha à equipe econômica ao destacar que a PEC sozinha não resolverá o problema fiscal brasileiro e que é necessário levar a cabo a reforma da Previdência.

Independentemente das negociações de mudanças, os impactos políticos da PEC já serão testados neste ano. O governo enviará no fim do mês o projeto de lei orçamentária anual para 2017, já seguindo a regra de correção das despesas pela inflação. Será uma degustação para os parlamentares que estavam habituados a discutir um Orçamento bastante flexível e cujas despesas cresciam em termos reais.

Se seguisse o padrão de crescimento dos gastos nos últimos anos, o Orçamento teria mais R$ 70 bilhões disponíveis, quase um Ministério da Saúde. Como não se espera que a PEC seja aprovada antes das eleições municipais de outubro, os parlamentares poderão ver na prática como a restrição fiscal imposta por ela se processará nas discussões do projeto. Será interessante analisar o impacto dessa nova realidade no humor dos parlamentares e como ela afetará as discussões da PEC.

Fonte: Valor Econômico

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