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Sua saúde e a da sua empresa nunca mais serão as mesmas

Publicado em 15/04/2019 • Notícias • Português

– Nós precisamos de você.
EM 2017, OS americanos que entrassem na App Store encontrariam um aplicativo diferente de tudo o que já fora oferecido na loja digital — o convite para um estudo sobre o coração. Em uma parceria (àquela época inusitada), a Apple e a Escola de Medicina da Universidade Stanford recrutavam voluntários para um trabalho sobre arritmia cardíaca, um mal comum a 2,5% da população mundial, caracterizado por batimentos cardíacos irregulares.
Para participar do Apple Heart Study, era necessário ter, no minimo, 22 anos; atender a determinados critérios clínicos de elegibilidade; possuir um iPhone modelo 5s ou superior, e um Apple Watch série 1 ou superior. Os participantes não teriam de fazer nada a não ser usar o relógio. E, caso o alarme do dispositivo soasse, o voluntário deveria entrar em contato com a equipe de telemedicina de Stanford. Provavelmente, seu coração estaria em descompasso.
De 29 de novembro de 2017 a 31 de janeiro de 2019, 419 mil pessoas submeteram seus corações às análises do
Apple Watch. Exatos 2.095 participantes (o equivalente a 0,5% do total) apresentaram sintomas de fibrilação arterial, a mais comum das arritmias. Deles, apenas um em cada cinco procurou atendimento. São dados importantes. Os especialistas de Stanford temiam que o acesso de leigos à tecnologia médica abarrotasse os consultórios e hospitais sem necessidade. Preocupa, porém, quem não deu bola para as chamadas do relógio. Sem tratamento, a fibrilação arterial pode levar a coágulos e, consequentemente, a infarto e falência cardíaca. Nos casos mais graves, à morte súbita. Mas isso é assunto para outras investigações.
Ainda mais importante, em 84% dos casos, quando os voluntários receberam o aviso de que deveriam procurar atendimento, eles de fato estavam em fibrilação. Ou seja, o relógio funcionou na detecção da arritmia. “Esses resultados indicam que tecnologias digitais inovadoras podem ter um papel importante na busca por uma medicina mais preditiva e preventiva”, comemorou Lloyd Minor, reitor da Escola de Medicina de Stanford. E assim, o Apple Heart Study torna-se símbolo das mudanças impostas pela transformação digital no setor de saúde.
O aumento da expectativa de vida, os avanços nos conhecimentos médicos, o processo de individualização das medidas preventivas, diagnósticas e terapêuticas e a medicina de precisão fazem da saúde um setor em franca expansão. Os gastos globais devem crescer a uma taxa anual de 5,4% entre 2017 e 2022, passando de US$ 7,72 trilhões para US$ 10 trilhões, segundo a consultoria inglesa Eco- nomist Intelligence Unit. O ecossistema está em ebulição. Assiste à chegada das gigantes de tecnologia, startups, incubadoras e aceleradoras. Possíveis protagonistas de um futuro próximo nem sequer atuam hoje.
O impacto será gigantesco. Todos serão afetados. Pacientes, governos e empresas — todas elas, não importa a natureza. “A saúde é, definitivamente, um tema estratégico dentro da agenda empresarial”, escreve em artigo exclusivo para Época NEGÓCIOS Fabiana Salles, fundadora da Gesto, com atuação em corretagem de seguro-saúde baseada em ciência de dados. No Brasil, 95% das pessoas consideram importante ou muito importante a oferta do benefício de saúde para decidir entre um emprego e outro, indica pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência para o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
Para se ter ideia da efervescência que agita o setor, basta lembrar algumas notícias recentes:
• Em janeiro passado, Amazon, Berkshire Hathaway e JP Morgan Chase anunciaram que, devido aos altos custos do sistema americano, se juntariam para ofertar serviços de saúde próprios para os funcionários de suas empresas. Um total de 1,2 milhão de vidas.
• Por US$ 13,7 bilhões, em junho de 2018, a companhia de Jeff Bezos (ela de novo!) comprou a rede de alimentos orgânicos Whole Foods Market, cuja imagem está associada a um estilo de vida saudável.
• Também em junho, a gigante do comércio online desembolsou US$ 1 bilhão pela startup PillPack, de entrega de medicamentos controlados, em pacotes de doses pré- selecionadas (veja quadro na página 61).
• Mais adiante, em agosto, a Amazon contratou, para seu time de saúde, o cardiologista Maulik Majmudar, especialista em saúde digital do Healthcare Transformation Lab, do Hospital Geral de Massachusetts, da Universidade Harvard. A avidez de Bezos pelo setor é tanta que, nos meios acadêmicos, brinca-se que a saúde americana (quiçá a mundial) está em processo de “amazonização”.
• Também em 2018, a Alphabet, dona do Google, investiu US$ 375 milhões na Oscar Health, startup nova-iorquina que, por meio de aplicativo, oferece médicos 24 horas por dia.
• Em agosto último, o Facebook estabeleceu colaboração com a Universidade de Nova York em um projeto para, mediante o uso de inteligência artificial (I.A.), desenvolver máquinas de ressonância magnética dez vezes mais velozes do que as disponíveis no mercado.
• 0 SoftBank, conglomerado japonês de telecomunicações e internet, destinou recentemente US$ 100 milhões para a PharmEasy, startup de epharma indiana.
• Dados da consultoria americana CB Insights mostram: em 2017, os negócios de private equity na área de saúde liderados pelas dez maiores empresas americanas de tecnologia somaram US$ 2,7 bilhões.
• Saúde é um dos temas de destaque da Brazil at Silicon Valley, conferência a ser realizada em abril, na Califórnia.
• Em entrevista recente à revista Modem Healthcare, Hugh Forrest, diretor de programação do SXSW, disse que pretende transformar o maior festival de cultura digital do mundo também em um marco para o setor de saúde.
As healthtechs proliferam. Segundo a aceleradora StartUp Health, sediada em São Francisco, os investimentos globais nelas saltaram de US$ 1,2 bilhão em 2010 para US$ 15 bilhões no ano passado (veja quadro na página 57). Conforme a consultoria Deloitte, em 2021 o gasto com saúde digital deve atingir US$ 280,25 bilhões, em um ritmo de crescimento de 15,9% ao ano. É muita coisa. Muita novidade. A saúde do modo como a conhecemos hoje está prestes a passar por uma transformação profunda. Um tsunami.
O mercado de saúde é complicado. Fragmentado, pouco transparente, resistente a mudanças e antiquado no modo de fazer negócios. “É uma indústria que gira bilhões e que apresenta ineficiências e assimetrias gigantescas”, define Manoel Lemos, sócio do fundo Redpoint eVentures. “Além da importância que o setor tem em nossas vidas, as transações em saúde são complexas, pois envolvem múltiplo atores — o paciente, o médico, o plano de saúde, o hospital, o pagador… E as informações necessárias para descrever uma transação médica são muitas e variadas. Dados do paciente, resultados de exames, prescrições médicas…” Para dificultar um pouco mais, some-se o impacto provocado pelos avanços na compreensão médica. Em artigo para a NEJM Catalyst, da prestigiosa revista The New En- gland Journal of Medicine, Michael Porter, professor da Harvard Business School, escreve: “O conhecimento aumentou o número de opções terapêuticas, mas também o número de pessoas na prestação de cuidados”. Ele compara os desafios atuais do setor de saúde aos enfrentados pelos negócios americanos no século 20. “Fica evidente que o modelo organizacional atual é um grande obstáculo para atender às necessidades dos clientes e apoiar a inovação.” O primeiro entrave está no modelo de pagamento dos serviços médicos, o “fee for Service”. A quantidade em detrimento da qualidade. O dinheiro cobre cada
procedimento realizado, medicamento prescrito, consulta realizada… E um convite ao desperdício e à falta de clareza. “A medicina do futuro exige transparência”, diz Patrick Eckert, presidente no Brasil do laboratório Roche (leia entrevista dele a Época NEGÓCIOS a partir da página 78).
Todo o sistema acaba contaminado. Até o comportamento dos consumidores de saúde, que mergulham na cultura do “hospitalocentrismo”. A qualquer febre, tosse ou dor de cabeça, correm para o pronto-socorro. Está errado. Sai caro e sobrecarrega o sistema — sem contar o contato (sempre arriscado) com a profusão de micróbios que pululam no ambiente hospitalar. Cerca de 90% dos casos médicos são resolvidos de forma simples, no atendimento primário. Mas a quem interessaria coibir esse tipo de atitude se o pagamento é feito por serviço prestado? Quanto mais, melhor, ensina o modelo caduco de gestão da saúde. Outro desvio de comportamento bastante comum, também, é acreditar que os melhores procedimentos são sempre os mais modernos. Na medicina, as tecnologias não são substitutivas — e sim, incrementais. O raio X não foi aposentado com a chegada da tomografia, que não caiu em desuso com a ressonância magnética. Quanto mais caro, melhor, prega a lógica predominante nos dias atuais. Apenas em 2017, segundo o IESS, R$ 22,5 bilhões, o equivalente a 19% dos gastos das operadoras de planos de saúde no Brasil, foram para o lixo com o uso exagerado de recursos, falhas na prestação de serviço e fraudes.
Convidados a eleger o méttodo mais eficaz, os especialistas são unânimes — aquele que se faz com base no desfecho clínico. Nele, o valor do serviço médico é fechado por condição a ser tratada, a partir de estudos rigorosos.
“Reorganizar-se em torno de grupos de pacientes com as mesmas demandas, tal qual as empresas [americanas, no século 20] se reorganizaram em torno dos clientes, é o futuro da saúde”, defende Porter, no texto para a NEJM Catalyst.
Em 2018, a healthtech Epitrack, fundada cinco anos antes no Recife, lançou a plataforma Clinio. A ideia, segundo Onicio Neto, CEO da empresa, era estabelecer, por meio de um aplicativo, um canal direto entre pacientes e médicos, em um movimento de “desospitalização”. Por R$ 89,90 mensais, o cliente teria uma base de médicos à sua disposição para ser acessada sempre que necessário. Antes de ir para o hospital por causa de uma febre, ele entraria em contato com um dos profissionais cadastrados na plataforma, a Clinio, e receberia as orientações sobre o que fazer. Não vingou. “Esse caso é revelador da imaturidade do mercado brasileiro para receber inovação”, diz o biomédico e epidemiologista Onicio. Atualmente ele toca a Epitrack da Suíça, onde faz pós-doutorado no Center for Child Well-being and Development, na Universidade de Zurique. Como consultor de pesquisa da Unicef no Ma- lawi, lidera projetos de aplicação de wearables, drones e machine learning para o desenvolvimento infantil.
Mais um exemplo da resistência do setor às mudanças? Os sócios da Carefy, healthtech de gestão e controle de internações junto às operadoras, contam que nem todos os hospitais “enxergam com bons olhos” o giro de leitos. Afinal, paciente internado é dinheiro em caixa.
A inovação digital desafia antigos paradigmas. E requer uma transformação cultural, costuma dizer Edvaldo Vieira, diretor executivo de operações da Amil, do conglomerado United Health Group. “O médico de família é o caminho para isso”, defende. Dos 4,1 milhões de beneficiários da Amil, 300 mil estão engajados em um programa por meio do qual os clientes têm à sua disposição um médico para chamar de seu — acessível pelo aplicativo da empresa, no WhatsApp, com quem eles podem contar antes de tomar qualquer decisão referente à sua saúde.
Edvaldo lembra ainda outra particularidade do sistema de saúde: “Em qualquer mercado, quando você embarca tecnologia, diminui o custo. Aqui, não. Você embarca tecnologia e o custo aumenta”. Um dos melhores exemplos dessa dinâmica é a evolução do tratamento do câncer
de cólon. No início dos anos 2010, a média de sobrevida do paciente era de seis meses, a um custo mensal ao redor dos US$ 200. Graças aos avanços de terapias mais precisas e eficazes, hoje, o doente vive (relativamente bem), em média, dois anos, com um gasto, no mínimo, 50 vezes maior.
Ainda a atrasar a saúde 4.0 está “o alto poder atribuído à autonomia do médico”, como define o professor Mi- chael. “Quanto mais eles se aprofundam nos conhecimentos, mais as doenças ganham especificidades.” Diferente do que acontecia algumas décadas atrás, um paciente de câncer, por exemplo, não será tratado apenas por seu oncologista, mas por ele e uma equipe multidisciplinar. Os conhecimentos estão tão específicos e numerosos que um médico sozinho não dá conta. O PubMed, a biblioteca online dos Institutos Nacionais de Saúde, dos Estados Unidos, referência para especialistas do mundo todo, recebe 1,5 milhão de novos artigos a cada ano — inacreditáveis 125 mil por mês, 4,2 mil por dia. A quantidade de informação disponível para ajudar na tomada de decisão já ultrapassa a capacidade de processamento do cérebro humano. “Para se manter atualizado com tudo o que é publicado, um médico teria de passar 20 horas de seu dia lendo”, compara a médica intensivista Mariana Perroni, medicai advisor da IBM. Foi para navegar nesse mar de dados que a gigante de tecnologia desenvolveu a plataforma de I.A. Watson.
Em 2013, fez-se muita festa em torno da parceria entre a IBM e o MD Anderson, centro americano de referência em pesquisa e tratamento do câncer. O Watson seria capaz de fechar diagnósticos e determinar tratamentos. Não demorou muito para que o projeto de US$ 62 milhões fosse abandonado. O problema, porém, não estava na máquina, mas na expectativa em torno dela. Certa vez, um executivo da startup de I.A comprada pela IBM para ser incorporada à unidade Watson, comparou a máquina a um belo sapato italiano, de couro legítimo, assinado pela Prada. Agora, imagine uma criança que nem sequer sabe andar calçando esse sapato… Ele não vai servir para nada e, pior, vai incomodar. Foi preciso fazer um ajuste de uso no Watson. Ele é excelente para analisar uma infinidade de dados e ranquear os diagnósticos mais prováveis e os tratamentos possíveis. Não está apto a fechar nenhuma questão. Desde 2015, 250 hospitais ao redor do mundo usam o Watson em seus centros de câncer. A I.A. da IBM tem um braço genético, utilizado inclusive no Brasil, pelo laboratório Fleury. “A ferramenta consegue triar quais mutações são mais relevantes, cruzar essas informações com a literatura e buscar os tratamentos com maior probabilidade de êxito”, diz Mariana.
As inovações em saúde usam todo tipo de tecnologia, mas o que chama a atenção é a quantidade de empresas com foco em I.A., comenta Leonardo Giusti, sócio da consultoria KPMG. Ela está em toda a cadeia. Assim como as máquinas ajudam os médicos a indicar programas de prevenção, definir diagnósticos e escolher os melhores tratamentos, ela também é usada pelas empresas de medicina privada para determinar pagamentos, estipular reembolsos e definir apólices.
Tudo caminhando à perfeição, não fosse a suscetibilidade da tecnologia. Em um trabalho publicado na edição de 22 de março na revista Science, pesquisadores da Universidade Harvard e do Massachusetts Institute of Technology (MIT) alertam: “Com a atenção pública e acadêmica mais voltada para o papel do aprendizado de máquina [atualmente a ferramenta mais utilizada na construção de I.A.], algumas vulnerabilidades do sistema merecem ser destacadas. Pequenas alterações, cuidadosamente projetadas, em como as entradas são apresentadas a um sistema podem alterar completamente sua saída, fazendo com que ele chegue a conclusões erradas”. Os autores do estudo alteraram alguns poucos pixels na imagem de uma lesão benigna de pele e submeteram-na à análise de uma I.A. O resultado? Câncer.
Em 2016, a Johnson&Johnson lançou um alerta para os EUA e o Canadá. Um determinado modelo de bomba de insulina, possível de ser controlado à distância, estava sujeito à ação de hackers. Os criminosos poderiam induzir os pacientes a uma overdose [leia mais na página 88]. Nove anos antes, Dick Cheney, então vice-presidente de George
W. Bush, teve a função wireless de seu marca-passo desligada. Seu cardiologista temia um ataque cibernético. Há, claro, risco de que isso possa ocorrer, mas, argumentam os especialistas, ele é baixo. A grande ameaça é a adulteração de exames e dados, e o roubo de informações, para beneficiar empresas de medicina complementar, seguradoras e agências reguladoras. É assustador pensar na suscetibilidade de nossas vidas algorítmicas. Cada um de nós produz 2,7 megabytes de dados por minuto, via rede social, relógio inteligente ou internet. Ao longo da vida, uma pessoa saudável produz 1 milhão de gigabytes de informação só de saúde — o equivalente a 300 milhões de livros. Um paciente de câncer chega a fabricar um terabyte de dados por dia, diz Mariana, da IBM. A resposta do setor de saúde a possíveis ataques cibernéticos vem sob a proteção do block- chain. Em 2016, a Estônia tornou-se o primeiro país a usar blockchain para garantir a privacidade e a integridade dos registros de saúde de seu quase 1,5 milhão de habitantes.
A transição para a saúde 4.0 muda o eixo da prática médica.Saimos da chamada saúde reativa, assim descrita pela consultoria CB Insights, para a proativa. Na primeira, o paciente tende a procurar ajuda médica apenas quando adoece; a ele cabe consultar diferentes opções de tratamento e seus dados são capturados para confirmar o diagnóstico. Na saúde proativa, a lógica é outra. Informações vitais são capturadas por aparelhos e monitores wearables, as opções de cuidado são acionadas precocemente e o provedor de saúde tem acesso ao histórico, biomarcadores e predisposições genéticas do paciente. Vivemos o início de um movimento no qual a cura virá antes da doença, explica o biomédico Renato Sabbatini, pioneiro da computação aplicada à medicina e criador, em 1983, do núcleo de informática biomédica da Universidade Estadual de Campinas.
Para Pedro Alvarez, chief commercial officer da Z Li- fecare, empresa de gestão de tecnologia para home care, a indústria da saúde deve passar por três movimentos. “O primeiro é a consumerização, com oferta de produtos e serviços aos pacientes, como é o caso dos wearables e da genômica de consumo, com suporte médico e base em evidências clínicas”, explica Pedro. O segundo está relacionado à captura, integração, processamento e análise de dados, permitindo tratamentos personalizados. “Por fim, o paciente será colocado como protagonista de sua própria saúde”, conclui o CCO da Z Lifecare .
Caminhamos rumo a um dos maiores sonhos da medicina, a individualização das terapêuticas. “A partir do cruzamento dos hábitos e do histórico do paciente, com análises genéticas é possível traçar um mapa de risco para antecipar o que essa pessoa vai desenvolver no futuro, tratando de forma preventiva”, diz Emerson Gas- paretto, vice-presidente da área médica do Grupo Dasa, a maior empresa de medicina diagnóstica da América
Latina, com 700 laboratórios espalhados pelo Brasil e 250 milhões de exames realizados anualmente. “E o em- poderamento do paciente.” Um movimento sem volta. “O paciente não quer mais sentar do outro lado da mesa. Quer estar ao lado do médico para ajudá-lo na tomada de decisão.”
Edvaldo, executivo da Amil, costuma dizer que “o ponto de poder é o cliente”, para explicar o processo de transformação digital da empresa de medicina privada. “Como atendimento, a gente quer simplificar, humanizar e digitalizar.” Para tanto, a companhia ouviu 10 mil pessoas para saber o que elas esperam do plano de saúde. Um dos programas a serem implantados é o de prevenção com gamification. Com o uso da I.A., traça-se um plano individualizado de cuidados preventivos e, conforme o paciente avança na construção de sua saúde, ganha pontos que podem, mais tarde, ser trocados por serviços.
Um dos trabalhos mais exemplares da importância da tecnologia na saúde foi conduzido pela healthtech brasileira Cuco. Em parceria com o Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, o aplicativo conseguiu fazer com que a adesão de crianças cardiopatas ao tratamento pós-operatório saltasse de 40% a 79%. É para se comemorar. Sem cuidado, elas ficam mais vulneráveis a novas internações e cirurgias. Nos casos mais graves, podem morrer. Assim que a criança recebia alta, a família era instruída a baixar o aplicativo, que avisava o momento de tomar medicamento. Esse foi o primeiro produto da healthtech fundada no ano de 2017 pela catarinese Livia Cunha, 26 anos. Depois de um projeto fracassado com operadoras de planos de saúde, a jovem partiu para seu terceiro produto. Uma ferramenta mobile que acompanha o medicamento e que, além de ajudar o paciente a não perder a hora de tomá-lo, educa- -o sobre sua condição. Na outra ponta, o “cuco” informa o médico sobre o comportamento do paciente.
O próximo projeto de Livia é o “Primeira Caixa”. No Brasil, de cada cem prescrições medicamentosas, apenas entre 50 e 70 chegam à farmácia. Dessas, no máximo 30% são tomadas. Das quais, duas em dez repetem mais de um ciclo de tratamento. Livia quer aumentar o número de brasileiros lá no início do processo. Para cada CPF, o laboratório parceiro da Cuco fornece a primeira caixa de remédio. No consultório, ao receber a prescrição, o paciente recebe a orientação para baixar o aplicativo e liberar virtualmente o medicamento. Ele então é apresentado a uma lista de 30 mil farmácias, onde o remédio pode ser retirado gratuitamente.
Ultraconectados, os pacientes querem saber, opinar, investigar, decidir junto. Segundo o relatório da Liga In- sights, 5% do volume das buscas no Google referem-se à saúde. Por causa disso, a empresa de tecnologia lançou, em 2016, uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein para oferecer um quadro de informações de doenças sempre que algum termo médico é buscado no Google. O objetivo é compartilhar esse tipo de conhecimento com garantia de credibilidade e qualidade de conteúdo. O caso mais emblemático do poder de decisão do paciente é o da atriz americana Angelina Jolie. Em 2013, aos 37 anos, ela descobriu ser portadora do gene BRCA1, o que praticamente a sentenciava a desenvolver tumores malignos nas mamas e nos ovários — sua mãe e sua avó
morreram precocemente, vítimas da doença. Com o resultado dos testes genéticos em mãos, ela optou por não correr o risco e decidiu se submeter à extirpação radical das mamas e dos ovários.
O paciente está no comando, mas o médico nunca foi tão necessário, avalia o professor Renato, da Unicamp. Em artigo exclusivo para Época NEGÓCIOS, nas páginas 68 e 69, ele lembra que não há máquina capaz de substituir o conhecimento, a experiência, a intuição, o toque humano, no processo do cuidado da saúde e da doença. As previsões de que um dia o profissional será substituído pela máquina, Renato ironiza: ser for esse o caso, então, é melhor mesmo ele perder o posto para o computador. Do contrário, segue imprescindível.
Sedentário até os 40 anos, o empresário Valter Lima começou a correr maratonas há 12. Ano passado, preparava-se para sua sétima corrida quando aceitou o desafio do treinador, o fisioterapeuta Fabio Rosa, para usar a plataforma TrainingPeaks. Além de medir batimento cardíaco, os sensores monitoram temperatura, intervalo da passada, oxigenação, velocidade e deslocamento. “Pelo cálculo da oscilação vertical, dá para ver se ele está cansado”, conta Fabio. Toda manhã, Valter, CEO da empresa de tecnologia ConnectCom, sincroniza o relógio com o celular e baixa as coordenadas do dia, com metas de velocidade, tempo de corrida e descanso elaboradas pelo treinador. Já aconteceu do peso, frequência, oxigenação e estado clínico estarem tão bons que Valter espaçou os exames de rotina. “No check-up anual, sinto até satisfação quando o médico diz que minha saúde está melhor do que a dele”, conta o empresário.
Um levantamento da Goldman Sachs

Fonte: Época Negócios

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