A indústria de produtos para saúde é um dos setores mais dinâmicos da economia mundial, com faturamento estimado em USS 370 bilhões em 2018 e cerca de 30 mil indústrias que empregam por volta de um milhão de funcionários. Mais de 80% são pequenas e médias empresas. Segundo projeção da consultoria KPMG, o setor deve crescer ao redor de 5% ao ano e, até 2030, movimentar algo em torno US$ 730 bilhões, impulsionado principalmente pelo envelhecimento da população, por mudanças nos mercados, entrada de novos players e avanços tecnológicos.
O Brasil é o oitavo mercado mundial desse setor e responde por cerca de 3% do total de gastos do país com saúde, com faturamento de cerca USS 10,5 bilhões em 2018 e gera 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
De acordo com Carlos Goulart, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abim ed), a área de equipamentos é fundamental para o desenvolvimento de tecnologias médicas e conta com um ecossistema de inovação com características próprias. A principal delas é um ciclo de vida dos produtos extremamente curto, em tom o de dois anos.
A área de produtos para saúde vive um dos momentos mais desafiadores, resultado de uma equação que combina crescimento e envelhecimento da população, aumento das doenças crônicas (mais caras e complexas), demanda não atendida (filas de espera por exames, por exemplo), custos crescentes e limitações orçamentárias.
“Em 2018, o setor de equipamentos cresceu 13%. Para este ano, nossa expectativa é que o índice fique entre 5% e 7%. Há uma demanda reprimida, principalmente por causa de uma população que envelhece, e a tecnologia tem avançado rapidamente”, analisa Goulart.
Para ele, a robótica, a miniaturização e o diagnóstico por imagem são as áreas que mais devem ter inovações daqui para frente. “A entrada de empresas de tecnologia da informação no setor, as startups, os aplicativos, a inteligência artificial e a telemedicina vão transformar a maneira de fazer negócios, de m odo que haverá uma reorganização da cadeia produtiva.” Um dos exemplos de miniaturização é o marcapasso Micra, da irlandesa Medtronic, que é o menor do mundo e pode ser implantado via transcateter. Nessa linha, a empresa também tem a plataforma Intellis, que é um dispositivo médico integrado com o menor neuroestimulador implantável do mercado, indicado para a estimulação medular do ciclo de tratamento da dor crônica do tronco ou membros. Outro exemplo de inovação, este na área de diagnóstico por imagem, é o O-Arm, também da Medtronic, um sistema de imagens 2D/3D intraoperatório projetado para atender as demandas de navegação cirúrgica.
“Temos em nosso portfólio 46 mil patentes e investimos, anualmente, cerca de R$ 2,5 bilhões em pesquisa, globalmente, o que corresponde a 8% do nosso faturamento mundial”, explica Miguel Velandia, vice-presidente da Medtronic Brasil. São, ao todo, quatro centros de inovação no mundo, um dos quais em São Paulo.
Outra inovação na área de diagnóstico por imagem é o equipamento de ultrassom RS85, da Samsung. Segundo a empresa, o produto é mais ágil porque reduz o toque de teclas combinando diversas ações e usa a tecnologia S-Shearware Imaging, o que permite a avaliação não invasiva da rigidez do tecido na mama e no fígado.
Segundo a KPMG, os dias de apenas fabricar produtos e vendê-los para um prestador de saúde (hospitais e clínicas) por intermédio de distribuidores chegaram ao fim. As empresas vão ter que reinventar o seu negócio e buscar novos modelos operacionais para adaptá-los às mudanças e ao futuro. Além de produtos, os portfólios que hoje já incluem também serviços, precisarão oferecer valor. Agregar inteligência aos produtos e serviços, conectar-se diretamente a clientes, pacientes e consumidores e influenciar positivamente a trajetória de cuidados são algumas das sugestões da consultoria.
“As soluções médicas que facilitam a vida do paciente tanto na consulta como nos passos seguintes são as mais procuradas. Uma amostra de com o isso pode ser feito são os aplicativos com os quais conseguimos estreitar as relações com os profissionais de medicina e seus pacientes e tomá-las mais humanizadas”, afirma Walter Brandstetter, gerente clínico da divisão de Health & Medicai Equipment da Samsung Brasil. Ele dá como exemplo o aplicativo Hello Mom, cujo objetivo é facilitar o compartilhamento de imagens obstétricas entre médicos e pacientes durante a gestação.
Segundo Brandstetter, aplicações e soluções com inteligência artificial precisam ser incorporadas ao dia a dia de clínicas e hospitais no Brasil. Para ele, este é um caminho sem volta que irá elevar, cada vez mais, a assertividade dos procedimentos diagnósticos. “É a inteligência sendo utilizada a nosso favor e tornando-se forte aliada nas tarefas rotineiras e desafios clínicos do setor médico, gerando informações de valor aos profissionais e pacientes. A apropriação de tudo isso é vital para o progresso do segmento.” Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, O dontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abim o), concorda, mas faz uma ressalva: “A internet está cada vez mais presente no m onitoramento do paciente, mas, para isso, é preciso de infraestrutura tecnológica, investimento em equipamentos conectados e funcionários bem treinados. A inovação no setor privado tem caminhado lentamente, fruto da incerteza econômica”.
Enquanto o setor privado tem grande procura pela vanguarda da tecnologia e inovação em hospitais e centros de referência, as instituições públicas enxergam o potencial vital da tecnologia, e têm evoluído, mas estão um passo atrás. Para ilustrar, Velandia exemplifica: “O setor público demanda nossos navegadores cirúrgicos para cirurgias de crânio e coluna. Já o sistema privado busca a integração da navegação cirúrgica com a imagem intraoperatória com reconstrução 2D e 3D.” Para Fraccaro, essa diferença de demanda pode se ampliar ainda mais com a mudança de foco do atual Ministério da Saúde, que quer melhorar a atenção básica. “Ninguém discute a importância de o país ter uma atenção básica de qualidade. O problema é que essa opção compromete os recursos da alta complexidade.
O efeito é que aumentará a demanda por equipamentos mais simples, o que ainda não ocorreu porque este plano nem começou a sair do papel, porque o governo vive um momento de imobilismo.” Segundo ele, a desigualdade entre os orçamentos público e privado da saúde, que correspondem a 10% do PIB no total, é muito grande. Do montante gasto em saúde no Brasil, 53% são do setor público para atender 150 milhões de pessoas, enquanto os 47% restantes correspondem aos gastos do setor privado e atendem, por m eio dos convênios, pouco mais de 47 milhões de pessoas.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os gastos públicos em saúde no Reino Unido, que tem um sistema similar ao Sistema Único de Saúde (SUS), chamado National Health Service (NHS), corresponderam a 7,9% do PIB em 2017, enquanto no Brasil os recursos públicos responderam por somente 4% A situação se agravou mais depois da aprovação, em 2016, da PEC do teto dos gastos, como ficou conhecida. A proposta de emenda constitucional, que começou a vigorar em 2017, congela as despesas do governo federal, com valores corrigidos pela inflação por até 20 anos. No caso da saúde, a mudança reduziu os gastos de 15% da receita corrente líquida anual para a atualização monetária pelo IPCA/IBGE de 2017.
Em nota, o Ministério da Saúde esclarece que “financia cerca de 800 equipamentos médico-hospitalares para todos os tipos de unidade de saúde, com especificações e preços sugeridos, permitindo consulta por instituições públicas e privadas sem fins lucrativos para que possam elaborar suas propostas para estruturação dos serviços. Assim, dentro da necessidade, o gestor avalia o que é prioridade para estruturar sua rede de serviços na atenção especializada ou básica (aquisição de equipamentos, construção, reforma ou ampliação de unidades de saúde). Na Atenção Primária, por exemplo, ao longo dos últimos anos, entre os equipamentos mais solicitados estão desde computadores, impressoras e cadeiras até detector fetal, otoscópio simples, mesa de exames e oxím etro de pulso”. O Ministério da Saúde informa que a previsão orçamentária para este ano é de RS 132,8 bilhões, RS 1,3 bilhão a mais do que o orçamento aprovado na Lei Orçamentária Anual, de RS 130,8 bilhões, em 2018.
Fonte: Valor Econômico