A herança maldita da Unimed
Publicado em 20/06/2016 • Notícias • Português
A derrocada da Unimed Paulistana, com a sua liquidação em setembro do ano passado, trouxe impactos para o mercado de planos de saúde que vão além de uma crise de confiança nas empresas do setor. Expôs uma situação em que parece que os cada vez mais raros planos de saúde voltados a clientes privados – não ligados a empresas ou a contratos de adesão – serão um nicho. Além disso, os impactos para as cooperativas que fazem parte do sistema Unimed, naturalmente, são ainda maiores. E não só por compartilharem o nome e a marca da empresa descontinuada, mesmo que se tratem de empresas diferentes e com outros donos. O sistema Unimed é composto 349 cooperativas que possuem 19 milhões de beneficiários dos cerca de 50 milhões de contratos existentes no País. Um exemplo é o da Central Nacional Unimed (CNU), a sexta maior operadora de saúde do mercado, com 1,8 milhão de clientes. Voltada a atender contratos de empresas com operações em diversas partes do território, ela nunca registrou um prejuízo anual em seus 18 anos de existência. “Para 2016, estou torcendo para não dar negativo”, afirma Mohamad Akl, presidente da cooperativa. Mas os desafios são grandes. Apesar do crescimento 27% da receita, que atingiu R$ 4,1 bilhões no ano passado, a lucratividade tem diminuído. Há quatro anos, a rentabilidade era de 3,45% do faturamento. Em 2015, caiu para 0,75%, chegando a um lucro de R$ 31,4 milhões. Houve uma pressão nos resultados pela entrada em seu rol de clientes de contratos migrados da Unimed Paulistana. A Agência Nacional de Saúde exigiu, em outubro do ano passado, que os beneficiários que deixaram de ser atendidos pela empresa em liquidação teriam direito de migrar para outras cooperativas do sistema Unimed. Das 130 mil vidas que ficaram desatendidas, a CNU herdou 11 mil. Isso levou a uma pressão judicial à cooperativa. Em dezembro de 2014, ela contabilizava 4,5 mil processos, número que subiu a 7 mil no fim de 2015. Apenas os clientes alienados da Unimed Paulistana geraram 324 processos. “A maior parte deles por falta de atendimento”, diz Akl. “Outras 104 liminares eram de gente que queria pagar o mesmo preço praticado pela Unimed Paulistana, e que a levou à falência.” Os processos podem pesar bastante nas contas. Apenas os 46 tratamentos mais custosos que a CNU foi obrigada a pagar, em 2015, somaram R$ 2,5 milhões.
A cooperativa, então, reage para baixar a quantidade de processos. Ela começou a fazer campanha junto aos clientes para que cumpram todas as etapas do pedido de um atendimento, junto à empresa e à sua ouvidoria, antes de recorrer a um processo. “Muitas pessoas estavam entrando na Justiça antes mesmo de saber se aceitaríamos ou não o pedido que fariam”, afirma. Com essa iniciativa, de um pico de 140 liminares recebidas em outubro do ano passado, o número baixou para apenas quatro, em março deste ano. As dificuldades para a companhia, e para o setor, no entanto, têm outras causas. Em especial, a crise econômica, que fez muitas pessoas perderem seus empregos e planos corporativos, ou deixarem de ter renda suficiente para pagar contratos particulares. O resultado foi, no ano passado, o mercado perder 1,7 milhão de beneficiários. No mesmo período, na contramão, a CNU viu o seu número de vidas contratadas subir de 1,63 milhão para 1,79 milhão. Mas, neste ano, a crise bateu mais forte, e a cooperativa já sofreu a perda de 150 mil clientes.
Isso, somado à forte alta de custos do setor, afeta os esforços para manter a rentabilidade. A inflação médica bateu os 18% no ano passado, contra uma inflação média de menos de 11% no País. “Por conta da crise, fica difícil repassar esse valor aos contratos”, diz Paulo Furquim, coordenador do centro de estudos em negócios do Insper. “A alta de preços é maior no setor por conta de fatores positivos, como o envelhecimento da população e a melhoria de equipamentos e remédios, mas também devido a ineficiências do mercado.” Entre os desperdícios, estão pedidos de exames e cirurgias além do necessário. Para diminuir o impacto desses fatores, a CNU busca se aproximar da administração dos hospitais para negociar preços melhores de insumos e evitar exames em excesso. O objetivo é reforçar para os médicos que, em alguns casos, não é necessário pedir dois ou três exames de alta sofisticação, como os de ressonância, tomografia e radiografia, para se chegar a um diagnóstico. Também existe o interesse em levar mais pacientes para a rede de 2,8 mil hospitais que fazem parte do sistema Unimed. A cooperativa estima que uma cirurgia cardíaca pode atingir um custo adicional de 1.000% quando feita em um hospital independente, devido aos altos preços cobrados pelos produtos médicos. “Em medicina, costumamos dizer que saúde não tem preço, mas custa”, afirma Akl.
Fonte: IstoÉ Dinheiro