Abrindo a caixa-preta da saúde – por CARLOS ALBERTO P. GOULART
Publicado em 06/02/2017 • Notícias • Português
As denúncias de existência de uma “máfia das próteses” -um esquema criminoso de fraudes, superfaturamento e realização de cirurgias desnecessárias, que desvia dinheiro do SUS, encarece planos de saúde e coloca em risco a vida de pacientes- trouxeram à tona um problema que é a ponta visível de uma grave doença que acomete todo o sistema de saúde do país.
Passados dois anos desde que o escândalo veio a público, dando origem a CPIs, grupos de trabalho e uma série de ações, as causas do problema já foram amplamente debatidas e são bem conhecidas. Resta agora avançarmos em direção às soluções se quisermos salvar o doente.
Na raiz do problema está um misto de desvios de conduta -que devem ser tratados como casos de polícia e devidamente punidos- com distorções do sistema de saúde. Nessa última destaca-se um modelo de reembolso que paga pelo número de exames e procedimentos realizados e pela quantidade de materiais e produtos utilizados.
Não é preciso alçar grandes voos para inferir que esse modelo pode dar margem a pedidos excessivos ou desnecessários de exames e procedimentos e a fraudes, desperdiçando recursos da Saúde e prejudicando pacientes.
Some-se a esse cenário a falta de transparência nos preços e serviços praticados ao longo da cadeia -por indústria, distribuidores, hospitais, profissionais de saúde, pacientes e planos de saúde- e temos aí uma “tempestade perfeita”, agravada por uma combinação de circunstâncias que acarretam o desastre.
É o que ocorreu e ocorre no caso da máfia das próteses. Uma das iniciativas propostas pelo governo para aumentar a transparência no segmento é a padronização da nomenclatura desses dispositivos, o que permitirá a comparação entre produtos.
A iniciativa é importante, porém insuficiente. Soluções realmente eficazes demandam um conhecimento vasto da cadeia como um todo e a compreensão de que nem tudo que eleva o preço final dos produtos decorre de fraudes.
Para isso, é preciso abrir essa “caixa-preta” e dar uma transparência aos serviços e valores que possibilite ao SUS, planos de saúde ou ao próprio paciente saber se está pagando por um crime ou por um serviço legítimo.
A cadeia de comercialização desses produtos é complexa. Inclui uma série de serviços lícitos que são agregados no percurso entre a indústria e o paciente e, em grande parte, computados no preço final.
É o caso do fornecimento pelo fabricante ou distribuidor de instrumental cirúrgico a hospitais, de serviços como estocagem, limpeza e esterilização e até da programação de aparelhos como marca-passo, a cargo do fornecedor durante toda a vida útil do equipamento.
Na Alemanha, por exemplo, o especialista recebe pelo serviço a cada vez que um marca-passo é ajustado. No Brasil, esse custo -assim como a estimativa de todas as vezes em que a operação será repetida- está embutido no preço do produto.
Precisamos criar condições na saúde para separar o joio do trigo. Para isso, deve-se aumentar a transparência da comercialização dos produtos, dar visibilidade aos serviços incluídos no custo, punir rigorosamente os desvios éticos e rever o modelo de reembolso.
Só assim conseguiremos coibir fraudes, dar maior segurança aos pacientes e estruturar um sistema de saúde sustentável, que faça o melhor uso dos recursos disponíveis.
CARLOS ALBERTO P. GOULART, engenheiro eletrônico, é presidente-executivo da Abimed (Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde)
Fonte: Folha de São Paulo