Alívio para saúde e educação
Publicado em 04/10/2016 • Notícias • Português
Para facilitar a aprovação da proposta que fixa um teto para os gastos públicos, o governo aceitou mudar as regras para as despesas com saúde e educação. Essas rubricas só seguirão o novo teto, que prevê aumento dos gastos apenas pela inflação, a partir de 2018. -BRASÍLIA- Para facilitar a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que cria um teto para os gastos públicos, o governo cedeu à pressão dos parlamentares e vai aumentar os recursos para saúde e educação. No primeiro ano de vigência do novo regime fiscal, será assegurado a essas duas áreas um percentual da receita projetada para 2017 — de 18% para a educação e de 13,2% para a saúde —, conforme prevê atualmente a Constituição. A partir de 2018, essa vinculação às receitas acaba, e os investimentos da União em saúde e educação seguirão apenas a inflação medida pelo IPCA — princípio que já será aplicado aos demais setores a partir do ano que vem, com base na despesa paga em 2016, caso a proposta seja aprovada.
A decisão de dar um tratamento diferenciado para educação e saúde foi anunciada ontem pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, depois de se reunir com o relator da PEC, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), o ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. O relatório será lido hoje na comissão especial da Câmara dos Deputados que trata da questão.
A proposta original previa que os gastos em educação e saúde seriam definidos pelos percentuais fixados na Constituição, mas com referência à despesa de 2016, e, a partir do ano que vem, seriam corrigidos pela inflação. A bancada da saúde reclamou, alegando que o setor sairia em desvantagem. O argumento foi que a emenda 86 — aprovada na gestão petista e que mudou o critérios dos repasses, substituindo o Produto Interno Bruto (PIB) nominal pela receita corrente líquida — resultou em perdas para a área: foram R$ 16 bilhões a menos só no ano passado.
— Em educação e saúde, serão mantidos os limites previstos na Constituição atual, tomando como base o ano de 2017, porque consideramos que é um ano em que a receita está mais estável, em função de ser um ano de recuperação da economia — explicou Meirelles.
Na prática, ao assegurar uma base maior para as duas áreas já no início do novo regime, o governo se compromete a aplicar um montante maior de recursos em saúde e educação ao longo de todo o processo, previsto para durar 20 anos. A base é decisiva, ainda que a despesa seja corrigida posteriormente pela inflação, disse o consultor da comissão de Orçamento da Câmara, Leonardo Rolim.
— Os recursos da saúde e da educação, mantendo as regras vigentes, não vão diminuir agora. Já vão aumentar no ano que vem e vão continuar aumentando a médio prazo —reforçou o relator, acrescentando que a decisão do governo corrige “parcialmente” o problema da emenda 86.
Segundo Perondi, ao criar um tratamento diferenciado para educação e saúde, o governo deverá aplicar nas duas áreas, no ano que vem, os montantes previstos no projeto de lei orçamentária: R$ 112,4 bilhões, somando as emendas de parlamentares na saúde, e R$ 62,5 bilhões em educação. A proposta foi entregue ao Congresso no fim de agosto.
À noite, após jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Perondi assegurou que não serão retirados recursos de saúde e educação. E disse que a PEC dos gastos deve ser votada na próxima segunda-feira, dia 10. Ele também afirmou que só a PEC não basta para sanear as contas públicas: a reforma da Previdência é crucial.
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, a decisão de manter a vinculação sobre a base de 2017 é inteligente, porque a receita deste ano será inflada pelos ganhos adicionais decorrentes da repatriação (legalização dos recursos enviados ao exterior). Ele destacou, no entanto, que, como o teto do gasto global não pode ser ultrapassado, outras áreas terão de ser sacrificadas. ‘MAIS DISTANTES DA UNIVERSALIZAÇÃO’ DA SAÚDE Apesar da pressão dos parlamentares, Meirelles reiterou que prazo de vigência do novo regime fiscal foi mantido em 20 anos. Após os dez primeiros anos, o presidente da República poderá rever os critérios, uma vez a cada mandato.
O ministro da Fazenda lembrou que, em 2017, a despesa global será corrigida pela inflação (IPCA) de 7,2%, conforme o projeto de lei orçamentária em tramitação no Congresso, para evitar incertezas. Mas, a partir de 2018, será aplicada a inflação acumulada em 12 meses, para o período encerrado em junho.
O ministro da Secretaria Geral de Governo, Geddel Vieira Lima, assegurou que o teto estabelecido não sofreá qualquer flexibilização:
— Vamos a voto — disse Geddel, ao sair de jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Perguntado se haveria possibilidade de a PEC ser votado na semana que vem, o ministro respondeu que o governo trabalha para isso e vai votar: Não tem mais o que ficar discutindo tanto. Geddel disse ainda que a PEC da reforma da Previdência será enviada ao Congresso após aprovação da PEC dos gastos.
Segundo o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea) Carlos Ocké Reis, o recuo do governo, sobretudo no que se refere à saúde, é uma manobra para aprovar a PEC. Ele reconheceu que, ao vincular o gasto à receita projetada para 2017, o setor perderá menos no início. Mas será prejudicado posteriormente, porque não poderá mais receber os ganhos decorrentes da atividade econômica.
— Ficaremos ainda mais distantes da universalização, da integralidade e da equidade no setor. O Brasil aplica atualmente em torno de 4% do PIB em saúde e precisaria investir 6%, segundo padrões internacionais. Os recursos vão cair no momento em que a população está envelhecendo — disse Reis.
O governo argumenta que a PEC é fundamental para controlar as despesas públicas e retomar o crescimento da economia. Segundo dados do Ministério do Planejamento, a despesa pública subiu de 14% do PIB em 1997 para 19,9% do PIB em 2016. Considerando o crescimento real do gasto público de 6% desde 1998, o déficit previsto para 2017, de R$ 139 bilhões, chegaria a R$ 214 bilhões. E, sem a PEC, a proporção da dívida bruta em relação ao PIB, que está em 71,8%, atingiria 90,5% em 2019.
Fonte: O Globo