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ATRASO NA TECNOLOGIA DO SUS

Publicado em 20/06/2018 • Notícias • Português

O setor de equipamentos médicos vive um momento contraditório. Ao mesmo tempo em que há cada vez mais tecnologia embarcada nas máquinas e que a internet das coisas (loT) e a indústria 4.0 começam a tornar-se realidade, há grande defasagem tecnológica no setor público. Estudo recém- divulgado do Conselho Nacional de Saúde (CNS) aponta que a dívida do governo federal com o Sistema Único cie Saúde (SUS) atingiu RS 20,9 bilhões no fim do ano passado. O valor refere-se a despesas não honradas. Com isso, faltou dinheiro para o Serviço de Atendimento Médico de Emergência (Samu), Programa Saúde da Família (PSF), sistema de vacinação e reaparelhamento dos hospitais. De RS 1,5 bilhão empenhado, R$ 1,3 bilhão não chegou para reequipar o SUS.
Para o advogado especializado em direito empresarial na área da saúde Ricardo Ramires, esse valor tende a piorar em um cenário que já era precário. “Em 2017, o Superior Tribunal Federal (STF) rejeitou um recurso que pedia isenção de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na compra de produtos importados, o que impacta fortemente a modernização dos hospitais que atendem ao SUS. A tendência é que o maquinãrio sofra grande defasagem tecnológica.”
Ramires chama atenção para outro fato preocupante. São as secretarias de saúde estaduais e municipais que definem, alinhadas às políticas públicas nacionais, as compras de equipamentos para aparelhar os hospitais. Essas compras são discutidas com o Ministério da Saúde no âmbito do orçamento do SUS, que, em 2017, foi de R$ 120,9 bilhões, para atender mais de 150 milhões de pessoas, enquanto a receita das operadoras de planos de saúde no mesmo ano foi de R$ 179 bilhões para cuidar de 47,3 milhões de pessoas. “A tendência de sucatea- mento do SUS é clara.”
O Brasil gasta 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB) com saúde, o que, somado ao gasto privado, chega a 9% do PIB. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para a Saúde (Abimed) apontam que a participação da União no caixa da saúde vem caindo progressivamente. Até dez anos atrás, correspondia a 50% do total investido, mas em 2016 o percentual caiu para 43%. Já os Estados com situação fiscal complicada praticamente mantiveram sua participação em 26% e os municípios em 31%. “Fica claro que a saúde precisa de uma política de Estado que defina as prioridades do setor”, acredita Carlos Goulart, presidente-executivo da Abimed.
Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Associação Brasileira de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), faz coro. “Não existe orçamento divulgado previamente nem para o setor público nem para o privado. Não há planejamento do Ministério em relação às compras de equipamentos de saúde. Tudo muda com cada novo ministro que assume.”
O Ministério da Saúde esclarece em nota que “auxilia os gestores estaduais e municipais de saúde que conhecem a realidade e necessidades do seu município a estruturar suas unidades de saúde para ofertarem atendimento qualificado à população”. Ainda, segundo a nota, “todos os anos, editamos a ‘Cartilha para apresentação de propostas ao Ministério da Saúde’, que busca orientar gestores públicos e unidades conveniadas ao SUS, além de parlamentares, a compreenderem melhor como acessar os recursos federais, as ações disponíveis e quais são os critérios, para que, assim, possam planejar melhor as propostas na área da saúde. Dentro da sua necessidade, o gestor avalia o que é prioridade para estruturar sua rede de serviços na atenção especializada ou básica (aquisição de equipamentos, construção, reforma ou ampliação de unidades de saúde)”.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o coeficiente de realização de exames de ressonância magnética por mil usuários no Brasil no SUS é o menor entre Austrália, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Espanha, França e Turquia. Já no sistema de saúde suplementar, a taxa é a maior entre os países citados.
Ainda de acordo com a OCDE, o país que mais realizou exames de tomografia computadorizada em 2016 foram os Estados Unidos, com 253,8 exames para cada mil usuários; e, em segundo lugar, a França, com 197,4. O SUS realiza 27 tomografias computadorizadas por mil usuários, enquanto nos planos de saúde o índice chega a 148,1, um pouco menor que o Canadá, com 156,6.
Apesar das dificuldades, Goulart está otimista. “Em 2017, o mercado começou a reagir e voltou a crescer a dois dígitos, como acontecia entre 2005 e 2012.0 setor sofreu bastante com a crise, e os investimentos foram postergados; mas a demanda reprimida é grande, e o setor cresceu 3,4% no primeiro trimestre do ano em relação ao mesmo período de 2017, índice que deve ser mantido ao longo do ano.”
Segundo ele, os equipamentos de maior demanda, tanto no setor público como no privado, são os de diagnóstico, de radioterapia e dispositivos implantáveis. “O que preocupa agora é a alta dólar, porque 60% do mercado brasileiro é abastecido por produtos importados. São cerca de U$ 4,5 bilhões de importação anual.”
De acordo com a Abimo, existe cerca de 1,7 milhão de equipamentos espalhados de forma desigual pelo Brasil. Enquanto o Sudeste concentra 52% deles, o Nordeste tem 19%; o Sul, 15%; o Centro-Oeste, 8%; e o Norte, 6%. “Como não há planejamento federal, as necessidades de compras surgem das urgências que ocorrem nos Estados e municípios. O boom acontecerá quando a saúde pública enxergar sua defasagem tecnológica e separar orçamento para isso”, acredita Fraccaro.
Na contramão da defasagem tecnológica está a nova geração de máquinas que vem sendo planejada e fabricada dentro do conceito de lol. Um exemplo é a multinacional brasileira Fanem, que fabrica produtos nas áreas de neonatologia e de laboratórios. Exportando para cerca de 135 países, investe em média 8% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento. “Temos tecnologia loT pela plataforma MultiConnect Fanem, que usa os principais protocolos de comunicação do mercado. Por meio de tecnologias como Bluetooth, WiFi
ou Ethernet, é possível conectar o dispositivo à rede de computadores e então ter os dados armazenados e visualizados por meio do Softchamber, um software de monitoramento e validação dos processos de controle de temperatura das câmaras de conservação que fabricamos”, afirma Rodrigo Moreni, chefe do departamento de projetos de laboratório da Fanem.
Para ele, “equipamentos cada vez mais conectados são o futuro de qualquer produto com alta tecnologia embarcada. A IoT será cada vez mais a realidade para garantir e melhorar a experiência do usuário. A grande questão é: o que fazer com tantos dados? Neste momento, cada empresa deve tratar e analisar de forma inteligente cada dado recebido pela loT e transformá-lo em informação útil”.
A Siemens, que investe por volta de 1 bilhão de euros por ano em inovação, tem no gerenciamento da saúde da população (PHM, na sigla em inglês) seu grande destaque na digitalização do setor. “As soluções PHM enxergam a saúde de forma holística por meio de ferramentas de inteligência artificial que levam em conta as características pessoais, considerando aspectos de onde o indivíduo vive, como urbanização, diversidade e densidade populacional”, diz Armando Lopes, diretor- geral da Siemens Healthineers no Brasil.
A empresa tem ainda o teamplay, uma plataforma de big data e analytics que permite criar uma rede de colaboração e compartilhamento entre prestadores de saúde ao redor do mundo. Os dados capturados passam por um processo de anonimização e possibilitam comparar performances e experiências entre instituições globais e fazer benchmarking.
Para Lopes, o setor de saúde passa por profundas transformações, com destaque para o envelhecimento populacional e o aumento das doenças crônicas. “As pessoas estão vivendo cada vez mais, e é um desafio garantir melhor qualidade de vida. Esse cenário coloca pressão sobre os serviços de saúde, de reduzir o custo e ampliar o acesso à saúde com qualidade. A tecnologia é fundamental nesse processo, como um investimento cujo retorno se dá na produtividade e na redução do custo e que libera recursos para novos investimentos, num ciclo virtuoso de valor.”
Segundo Lopes, o acesso remoto tem transformado realidades. O Virtual Operations Center (VOC), solução da Siemens desenvolvida no Brasil, controla a ressonância magnética a distância. Isso significa que um especialista pode disponibilizar o próprio conhecimento para qualquer lugar do Brasil. “A inteligência artificial deve revolucionar a área de saúde de várias formas, tanto para auxiliar em diagnósticos, suporte à decisão clinica, como também na gestão de processos e operação de equipamentos que se ajustam às características do paciente. Outra tendência é promovida pelo big data e analytics, ferramentas que permitem criar uma rede de colaboração e compartilhamento de informação e benchmark em nível global.”

Fonte: Valor Setorial – Saúde

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