Coluna Mulheres em Foco | Ligia Maura Costa
Publicado em 11/02/2022 • Notícias • Português
Ligia Maura Costa assume a presidência da Comissão de Ética Independente
Recém-lançado pela ABIMED, grupo trabalha pelo alinhamento de propostas que visem às melhores práticas de governança corporativa.
Criada em 2021, a nova Comissão de Ética Independente da ABIMED já está em atividade. Iniciativa inovadora na área da Saúde, a Comissão é integrada por três membros, todos eles atuantes em outros setores, assim proporcionando o carácter de isenção que a Associação objetiva. A esta importante medida soma-se o lançamento do 6º Código de Conduta, referência legal que orienta as atividades da Associação e de suas associadas no mercado de medical devices, buscando proporcionar um ambiente de negócios justo, ético e transparente e regulado com as melhores práticas do setor.
Eleita para o cargo de presidente da nova Comissão, Ligia Maura Costa concedeu uma entrevista ao Integra para falar um pouco mais sobre o seu papel. Professora titular na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP), Ligia traz em seu currículo uma sólida formação em Direito. Graduada pelo Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), onde também é livre docente em Direito Internacional, Ligia é mestra e doutora na mesma área, pela Université de Paris-X, além de ter pós-doutorado em negociações internacionais na Sciences Po, de Paris. Foi, ainda, pesquisadora visitante na University of Michigan Law School, Ann Arbor e atuou como professora na Sciences Po, Paris, na Universität St Gallen, Suíça, entre outras instituições.
Além de atuações de destaque em organismos globais voltados ao Direito e ao Comércio Exterior, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), Ligia é autora de várias obras, artigos e capítulos de livros publicados no Brasil e no exterior, sendo a obra mais recente OMC e o Direito Internacional do Desenvolvimento Sustentável (São Paulo: Quartier Latin, 2013). Atualmente é sócia do escritório Ligia Maura Costa, Advocacia, com sede em São Paulo e escritório em Paris. Exerce a advocacia há mais de vinte anos, oferecendo serviços de consultora jurídica e arbitragem, no Brasil e no exterior, dando consultoria a empresas, pessoas físicas, governos e organismos e associações internacionais. Possui ampla experiência em procedimentos de arbitragem, tendo sido nomeada árbitra em diferentes jurisdições.
Gostaríamos de começar falando sobre a nova Comissão de Ética Independente da ABIMED, da qual a senhora é presidente. Quais são as diretrizes do trabalho dessa Comissão?
Eu acho que primeiro devemos lembrar que a Comissão de Ética da ABIMED já existe há algum tempo. A grande diferença é que agora é uma Comissão independente, um modelo que é promovido nas melhores práticas de governança corporativa de nossos dias. Este é um importante diferencial no trabalho que a ABIMED já estava fazendo. Na minha visão, o objetivo é realmente agregar valor à governança, sempre em busca de mais integridade para todos os seus membros e para a Associação como um todo. E isso por uma razão muito simples. Os conselheiros independentes, a princípio, terão muito mais soberania, além de que todos têm zelo pela sua própria imagem e, obviamente, são totalmente imparciais em face de grupos de interesse. Eles não têm uma relação próxima, ou íntima, que possa representar algum tipo de conflito de interesses. Se, porventura, isso vier a acontecer, esse conselheiro vai acabar saindo. Mas eu acho que isso dá um sabor bem diferente nas medidas que eventualmente poderão vir a ser tomadas por parte da nova Comissão de Ética Independente. Para concluir, eu diria que a própria ABIMED acabou conferindo a essa comissão independente, assim como qualquer outra organização ou mesmo uma empresa, instrumentos que vão permitir que as nossas funções dentro da comissão de ética possam ser exercidas de forma mais ágil e mais eficiente. Com isso eu acho que vamos conseguir melhorar a qualidade do processo de governança da Associação.
Quantas pessoas integram a Comissão e como funciona na prática?
Três pessoas. Na prática, como em qualquer outra comissão, você tem reuniões periódicas, em geral mensais, do ponto de vista das reuniões ordinárias. Eventualmente podemos até ter reuniões extraordinárias, como já aconteceu. Tivemos algumas reuniões que não estariam na pauta, para entender os mecanismos, como funciona o canal de denúncias, para nos conhecermos melhor e definir a organização do trabalho.
Em sua opinião, quais são os temas mais relevantes para que o setor de Saúde busque seu aperfeiçoamento e alinhamento global em relação à Ética e Compliance – que, aliás, é um dos pilares da ABIMED?
Eu vou voltar dois passos antes. Precisamos contextualizar o setor da saúde e lembrar que ele é extremamente diverso, caracterizado por uma grande multiplicidade de atores. Isso faz com que o compliance propriamente dito seja muito mais delicado e muito mais difícil de ser obtido, em função dessa complexidade da cadeia. É um dos setores que têm maior exposição a riscos de não conformidade. A falta de ética pode acontecer diante dessa diversidade de atores, que vai desde planos de saúde até fornecedores de suprimentos, passando pelos próprios profissionais da saúde, sem falar, obviamente, do próprio governo. O setor tem vários desafios de compliance, mas eu diria que hoje eles são mais presentes na área de inovação e tecnologia, com data analytics e inteligência artificial, por exemplo. Daqui a pouco vamos precisar ter compliance dos algoritmos, porque eles podem influenciar as decisões de alguma forma, positiva ou não. Além desses temas que são novos, não podemos esquecer de outros também relevantes. Muitas licitações ainda são fraudadas. Temos o problema dos carteis e não podemos esquecer das propinas, desvios de materiais, tratamentos desnecessários que eventualmente venham a ser sugeridos e, por fim, mas não por último, o favorecimento de parentes e amigos. São algumas situações que não são novidades, e que continuam presentes no setor da saúde.
A pandemia trouxe muitas mudanças para a sociedade, sobretudo no âmbito da Saúde. Como traçar metas claras de governança em Saúde nesse período de tantas transformações?
Tudo o que mencionei, em termos de regras de compliance, a fim de manter a boa governança em saúde, é valido para qualquer momento, independentemente do cenário ser ou não de crise. Mas eu acrescento que precisamos ter mais transparência, com isso é muito mais fácil para todos saberem o que está certo ou errado. E um segundo ponto é ter mais accountability, o que é fundamental, ao lado de um mecanismo de monitoramento, que deve ser sempre reforçado, ainda mais em uma pandemia. Eu gosto de citar alguns números apresentados no relatório da Transparência Internacional recentemente. O setor da saúde tem perdas superiores a US$ 500 bilhões de dólares ao ano, isso em épocas não pandêmicas. Então imagine durante uma pandemia, quando o dinheiro jorrava no setor, e estou falando de qualquer lugar do mundo, não só do Brasil. E ainda não temos ideia do montante, porque demora algum tempo até que um ato de corrupção seja percebido. Só saberemos daqui a alguns anos. Então, quanto mais transparência melhor. E esta é a razão da independência da nossa Comissão. A ABIMED tem um trabalho muito relevante a realizar, e isso é importante ser destacado.
Num universo corporativo cada vez mais competitivo, é necessário incorporar parâmetros éticos sem perder a visão de desenvolvimento social e econômico sustentável, para gerações presentes e futuras. Quais são os maiores desafios que as empresas enfrentam hoje para equilibrar essas questões?
Bem, eu sou da área de educação, então eu diria que o básico é ter treinamento e comunicação. Treinar sempre e comunicar de forma clara. Entender que o comportamento ético é fundamental. E que ganhar dinheiro de forma que não seja ética, não é o que a direção da empresa espera. Ainda mais hoje, em tempos de maior responsabilidade social corporativa, quando a forma de os acionistas ganharem dinheiro está vinculada a ter um comportamento ético, ter responsabilidade social corporativa. O problema é que, teoricamente, todos têm noção básica sobre ética. Todo mundo sabe o que é certo ou não. O grande desafio das empresas é treinar a alta administração, porque são pessoas muito inteligentes. Se você aplicar um teste, é claro que todos serão aprovados. O problema é saber se esses conhecimentos foram internalizados. É como usar cinto de segurança. Você usa não porque pode receber uma multa, mas porque sabe que é importante para a sua segurança.
A diversidade e a representatividade são marcas deste século que vêm se acentuando nos últimos anos, abordando questões que antes eram pouco consideradas – até pelo peso cada vez maior das métricas de ESG. As empresas estão respondendo bem à sociedade em relação a estes temas? Em que ainda é possível avançar?
Eu acho que ainda há muito a ser feito. Eu diria que ESG são três letrinhas que estão bastante “em moda”, mas é esta sigla que está movendo as melhores empresas, do setor da saúde e de vários outros. A responsabilidade social da empresa, hoje, vai muito além da mera produção de bens, do fornecimento de serviços, para que ela consiga gerar lucro para os seus acionistas. Ela tem que ir além, produzir bens e oferecer serviços que têm um pouco mais de valor agregado, que respeitem os princípios de ESG. Só assim ela vai de fato conseguir gerar lucro aos seus acionistas e atender as expectativas e exigências que hoje em dia são esperados. Além do forte senso de ética que se busca nos negócios. Não é mais “tentar” fazer o que é certo, a empresa precisa somente fazer o que é certo. Este é o lema das empresas hoje em dia, e não é fácil de ser obtido, muito pelo contrário. Mas tudo que não é fácil, representa um desafio maior, e uma vontade maior de ver se conseguimos melhorar desta forma. E como vantagens, em primeiro lugar, está a forma como se ganha dinheiro. Uma empresa que não tem compliance, que não segue métricas de ESG, está fadada a uma recuperação judicial cedo ou tarde. Porque vai cair em um problema de corrupção, vai acabar tendo um problema e acontecer com ela o mesmo que se vê nas empresas que foram envolvidas em grandes casos de corrupção. A luta contra a corrupção tem altos e baixos. Hoje em dia nós estamos na área mais abaixo no combate à corrupção, mas já estivemos em uma busca mais certeira. E isso não é só no Brasil. Além dessa vantagem, com o compliance você melhora a governança da empresa. E assim você tem condições de melhoria na retenção de quadros, porque a nova geração que está vindo busca uma empresa que seja reconhecida por ser uma empresa cidadã. Eles querem uma empresa inclusiva, que respeite critérios sociais, ambientais e governança. E você quer que este colaborador se engaje de fato, que tenha verdadeiro comprometimento, que não seja apenas um emprego e que comece a fazer parte da construção dessa empresa, buscando sempre melhores práticas de governança. Além disso, quando eu melhoro a governança eu vou ter os controles internos, que ficarão mais fortes e vão acabar gerando, futuramente, impacto financeiro positivo.
Fonte: ABIMED