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Doença tipo exportação

Publicado em 12/01/2016 • Notícias • Português

A crise na rede de saúde pública do Rio, com falta de médicos e remédios nos hospitais estaduais, é agravada pela migração de pacientes de cidades vizinhas para unidades municipais. Só no Hospital Souza Aguiar, o maior da capital, 24% das internações nos primeiros dez meses de 2015 foram de doentes “importados”. Depois de passar muito mal com constantes faltas de ar, a dona de casa Maria José Ribeiro Tiradentes da Silva, de 60 anos, descobriu um problema cardíaco, que requer exames específicos. Moradora de Belford Roxo, ela não teve atendimento especializado e fez uma peregrinação por hospitais e UPAs. O máximo que conseguiu foi tratar os sintomas. Por isso, acabou fazendo o mesmo caminho de outros doentes da Baixada Fluminense: procurar um hospital no Rio.
— Eu não consegui ser atendida por um cardiologista aqui na Baixada. Segui para o Souza Aguiar, mas lá me disseram que o meu caso não era de emergência e que deveria voltar à UPA da minha cidade. Aconselhada por uma amiga, que vive na Favela do Arará, em Benfica, estou conseguindo um documento para provar que moro no Rio, para ser atendida lá. Soube que existem UPAs no Rio que têm cardiologista — disse ela.
A história de Maria José expõe um problema crônico, que agrava ainda mais a crise na saúde do Rio: a falta de estrutura da rede pública na Região Metropolitana. O último levantamento de todos os hospitais feito pela Secretaria municipal de Saúde revela que a capital internou 34.867 pacientes de outros municípios em 2014, o equivalente a 12% de um total de 289.055 doentes. SOUZA AGUIAR: 24% DOS DOENTES SÃO DE FORA Levantamentos parciais também mostram o problema em 2015. Entre janeiro e outubro do ano passado, o Hospital Souza Aguiar — a maior emergência da capital —, por exemplo, fez 1.975 internações de pacientes vindos de outras cidades. Ou seja, 24% do total. Nos hospitais Miguel Couto e Salgado Filho, essa proporção foi de 10%.
Em 2014, último ano com números já fechados, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, foi o município que mais enviou pacientes para internações na rede municipal do Rio: foram 6.103. Em segundo, aparece Nova Iguaçu, com 4.810 pacientes. Na terceira posição, está São João de Meriti, com 4.216. A lista é completada por Belford Roxo, com 3.159 doentes, e São Gonçalo, com 2.530.
Para o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, o problema da exportação de pacientes para o Rio ocorre devido à baixa cobertura da atenção primária nos municípios da Região Metropolitana.
— Os municípios e o estado precisam aumentar a cobertura na atenção primária. Se não prevenirmos diabete e hipertensão, por exemplo, acabamos sobrecarregando as emergências com casos de AVC e infarto — explicou o secretário.
Soranz apresentou números mostrando que a prefeitura do Rio supera a de outras capitais no número de vagas:
— Nós temos 3.441 leitos abertos contra 2.757 do estado na capital. Em São Paulo, o estado tem 73% dos leitos públicos (8.199), contra 2.853 do município. Em Belo Horizonte, o estado tem 70% dos leitos (1.846) na capital, contra 389 do município.
Segundo o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), da Comissão de Saúde da Câmara, o número de UPAs e hospitais da Baixada aumentou nos últimos anos, mas os municípios ainda não conseguem resolver os casos de média e alta complexidade, como o de Maria José:
— O Souza Aguiar é o hospital que mais recebe pacientes da Baixada. Lá, chegam casos que precisam de procedimentos mais complexos, que unidades dos municípios não atendem.
Atualmente, as UPAs atendem apenas em duas especialidades: clínica médica e pediatria.
Maria José passou ontem por outro problema. No sábado, o neto da dona de casa, Davi Lucas da Silva Ribeiro, de 1 ano e 10 meses, sofreu uma lesão num dedo da mão. Foi levado para o Hospital Municipal Jorge Júlio Costa Santos, em Belford Roxo, que tem ortopedia. Chegando lá, no entanto, informaram que o menino tinha que ser atendido por um pediatra, especialidade que o hospital não tem.
Reclamando de muita dor, o menino foi levado ontem para a UPA de Bom Pastor, no mesmo município, que tem pediatra, mas não ortopedista.
— Não sei o que fazer. Será que terei que levar o meu neto para o Rio para tratar de um problema no dedo? — perguntou Maria José.
O líder comunitário Heleno Mendes das Neves, que mora no Parque das Missões, em Duque de Caxias, costuma socorrer os vizinhos com o seu carro e sabe como funciona o sistema de saúde da Baixada. Os casos de emergência são levados para o Hospital Municipal Moacyr do Carmo, na mesma cidade, e para as UPAs.
— Já as pessoas que precisam de tratamento prolongado com alguns especialistas costumam ser atendidas em hospitais do Rio — contou.
A falta de ortopedistas nas UPAs é um problema constante. O lanterneiro Marcos dos Anjos Borges, de 45 anos, morador de Belford Roxo, sofreu um acidente de moto no dia 5 de janeiro e peregrinou por várias unidades:
— Fui parar no PAM de São João de Meriti, mas lá me disseram que eu teria de ser atendido na minha cidade. Consegui (o atendimento) com amigos e imobilizaram o meu braço.
PREFEITO DE CAXIAS: RIO É PRIVILEGIADO O prefeito de Caxias, Alexandre Cardoso, rebate a acusação de que seu município sobrecarrega as redes da capital. Ele afirma que o Rio é privilegiado por ter seis unidades federais de alta complexidade. Assim, concentra recursos:
— As emergências de Caxias, como a UPA Infantil e o Hospital Ismália da Silveira, atendem pacientes de Parada de Lucas, Vigário Geral e Irajá. Onde existe uma emergência pediátrica na Zona Norte do Rio? Recebemos um quinto dos recursos federais para a saúde que a capital recebe.
Para o diretor-geral do Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, Joé Sestello, a migração de pacientes para a capital é reflexo da falta de leitos na Baixada Fluminense.

Fonte: o Globo

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