Gestão e recursos para a saúde
Publicado em 07/01/2016 • Notícias • Português
A saúde pública brasileira vem sendo usada como um verdadeiro muro de lamentações. Tanto por parte dos gestores da saúde como da população que usa os serviços do SUS (Sistema Único de Saúde).
Pesquisa do Instituto Datafolha apontou que para 54% dos entrevistados a rede pública de saúde do país é ruim ou péssima. O tempo de espera foi considerado o maior problema, seguido pela dificuldade de agendamentos para as consultas e procedimentos bem como a falta de infraestrutura das unidades de atendimento.
Recentemente o Ministério da Saúde se referiu à causa primária da enorme insatisfação dos brasileiros em relação à saúde pública: o subfinanciamento do setor.
Foi veiculado à imprensa, pelo próprio Ministério da Saúde, que o atendimento público dependente do SUS pode entrar em colapso a partir do próximo ano por falta de verbas. Segundo as matérias publicadas, da forma como o projeto de Lei Orçamentária foi enviado ao Congresso Nacional, os recursos para financiar a saúde se esgotariam em setembro de 2016 e não haveria mais como manter as despesas do setor.
Especialistas apontam que a Emenda Constitucional nº 86/15 será nefasta para a saúde pública a partir do próximo ano. O projeto inicial, que previa a destinação de 10% das receitas correntes brutas para a saúde foi alterado, vinculando-se, em vez disso, 15% das receitas correntes líquidas, e ainda assim de forma escalonada, começando com 13,2% em 2016 e só chegando ao percentual máximo em 2020. Consequentemente o montante para a saúde será consideravelmente menor frente a custos progressivos.
É fundamental ampliar e aprofundar o debate em torno do financiamento da saúde brasileira e de como ampliar os recursos a ela destinados, sob o risco (real) de falhas crescentes no atendimento da rede SUS, com grande prejuízo à população.
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, temos buscado combater o subfinanciamento do repasse das verbas SUS com medidas de gestão, inovação e sustentabilidade, incluindo logística, redefinição de padrões e métodos de avaliações e um novo projeto de custos hospitalares.
Nesse processo, podem ser destacados: a criação do Painel de Indicadores Estratégicos para a tomada de decisões e para disseminar a cultura de busca por resultados em todos os setores do Hospital das Clínicas da FMUSP; elaboração de um plano de reestruturação que garantiu o cumprimento de normas sanitárias e a obtenção de 230 licenças sanitárias; o projeto da Central de Distribuição de Medicamentos, que centralizou e transferiu os estoques de materiais e medicamentos de todos os institutos para um centro fora do HC, o que proporcionou melhores práticas para recebimento, armazenamento e distribuição dos produtos. Implantação do Sistema de Gestão de Estoque, estratégia que permite a visualização, em tempo real, dos estoques de materiais e medicamentos de cada instituto, o que possibilita maior segurança à instituição, que movimenta mais de R$ 250 milhões por ano em insumos hospitalares, e segue o que há de mais moderno no conceito de gestão de suprimentos e logística.
O HC-FMUSP está enfrentando com responsabilidade e transparência a crise econômica pela qual passa o país. Para isso, trabalha ainda em um projeto de sustentabilidade que inclui uma série de ações em diversas áreas, incluindo economia de energia elétrica, otimização do uso de insumos e redução do desperdício de materiais, entre outros. Para citar um exemplo do sucesso desse projeto, iniciado em 2011, apenas neste ano, até agosto, o HC-FMUSP economizou R$ 2 milhões reduzindo o consumo de água. O hospital está economizando para gastar melhor, não para gastar menos.
É preciso ressaltar que esse projeto visa garantir o atendimento dos pacientes. Prova disso é a manutenção dos nossos índices de produtividade, mesmo em um cenário de crise aguda como a que o país todo atravessa.
Não menos importante é investir na formação profissional dos jovens médicos, sem a qual é impossível ter uma saúde de qualidade, além de encarecer os custos com pedidos desnecessários de exames e procedimentos ou encaminhamentos incorretos de pacientes para centros terciários, quando estes poderiam ter seus problemas solucionados na rede de saúde básica.
Para tanto promovemos ampla reforma curricular da graduação em Medicina na FMUSP em 2015, com o objetivo de formar lideranças para o futuro da saúde brasileira e fortalecer o papel do médico como agente transformador da sociedade e do sistema de saúde, tornando-o capaz de prestar um atendimento humanizado aos pacientes.
Houve redução da carga horária expositiva, integração das disciplinas básicas com as clínicas e a introdução da discussão de casos no contexto das matérias desde o início do curso de Medicina. Entre outras mudanças, o novo currículo busca integrar o conteúdo sobre atenção primária nos cinco dos seis anos do curso médico. Apostamos também na qualidade do nosso programa de Residência Médica, o maior e mais completo em termos de qualidade e excelência na formação de especialistas do país.
Por fim, como o maior sistema acadêmico de saúde do Brasil, estamos trabalhando para incrementar as parcerias com empresas para pesquisa e desenvolvimento na área de saúde, utilizando para isto nossos Laboratórios de Investigação Médica e os 200 grupos de pesquisa cadastrados na instituição.
A educação e boa formação profissional é pilar de uma saúde de qualidade, não podendo ficar a mercê da criação indiscriminada e sem critério de faculdades de Medicina, até mesmo em cidades onde não há sequer hospitais para o aprendizado prático, que lamentavelmente está ocorrendo em nosso país.
Neste momento de grandes desafios, ousar é preciso, e também é imperioso planejar com segurança o futuro, pois o sistema de saúde nos moldes atuais não mais se sustenta.
Fonte: Valor Econômico