Governo gasta R$ 3,89 ao dia na saúde de cada brasileiro
Publicado em 06/05/2016 • Notícias • Português
Os governos federal, estaduais e municipais aplicaram por dia, em 2014, R$ 3,89 per capita para cobrir as despesas públicas com saúde dos mais de 204 milhões de brasileiros. Ao todo, o gasto por pessoa em saúde naquele ano foi de R$ 1.419,84. É o que aponta o mais recente estudo do CFM – Conselho Federal de Medicina,feito em parceria com a ONG Contas Abertas, a partir de informações sobre as despesas apresentadas pelos gestores à Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, por meio de relatórios resumidos de execução orçamentária.
A atuação do Brasil, segundo os dados mais recentes da OMS-Organização Mundial da Saúde, está abaixo da média das Américas, cujo investimento per capita do setor público em saúde, em 2013, foi de US$ 1.816, enquanto no Brasil foi cerca de 70% menor.
Em ritmo regressivo, as aplicações em saúde por parte da esfera pública, já corrigidas pelo IPCA – índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, caíram 0,93% entre 2013 e 2014, atingindo a cifra de R$ 290,3 bilhões – cerca de 3 bilhões a menos que no ano anterior. Esse montante agrega todas as despesas na chamada “função saúde”, destinada à cobertura das ações de aperfeiçoamento do SUS e outras com impacto direto na área. Boa parte desse dinheiro é usada também para o pagamento de funcionários, dentre outras despesas de custeio da máquina pública.
O decréscimo de R$ 10,3 bilhões nas despesas municipais {déficit de 8,83% em relação ao ano anterior) impulsionou negativamente o desempenho nacional, comprometendo o tímido aumento de dispêndios por parte dos Estados e da União – da ordem de 3,82% e de 4,84%, respectivamente. Para o economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, há nexo claro entre algumas decisões do governo federal e inúmeras implicações nos estados e municípios.
“Em 2013 e 2014, com a preocupação predominante da reeleição, o governo aprofundou o uso da política fiscal para tentar reativar a economia a qualquer custo. Isenções e benefícios fiscais foram concedidos sem os resultados esperados, que, juntamente com a retração econômica, fizeram murchar as arrecadações”, explica.
Ele acredita que os estados e os municípios têm parcelas de culpa na retração de seus investimentos em decorrência, sobretudo, da falta de planejamento. “Diversos deles, nas épocas de ‘vacas gordas’, concederam reajustes generosos de salários e aumentaram o número de servidores, despesas que não podem ser reduzidas com facilidade. Quando as dificuldades surgiram, os cortes em investimentos foram utilizados para minimizar o déficit”, afirma.
O presidente do CFM, Carlos Vital, avalia que a carência financeira pode ainda ampliar os problemas enfrentados pela rede de hospitais federais, conveniados, filantrópicos e santas casas, que no ano passado sofreram com sucessivos atrasos e falta de pagamentos. “Por conta do subfinanciamento histórico e da má gestão, todo o sistema está comprometido. As autoridades precisam reconhecer a saúde pública como prioridade. Os problemas do setor começam com a definição destas prioridades e se estendem para a transposição de metas e para o orçamento e sua execução. Trata-se de um perverso ciclo, reforçado pela carência de recursos e pela descontinuidade das ações administrativas nos estados e municípios, além da leniência e da corrupção”.
CENÁRIO MUNDIAL
Dados do Global Health Observatory Data Repository, mantido pela OMS, revelam que do grupo de países com modelos públicos de atendimento de acesso universal, o Brasil era, em 2013, o que tinha a menor participação do Estado (União, estados e municípios) no financiamento da saúde. Esta é a análise mais recente com relação ao tema.
Considerando a fatia pública do total das despesas em saúde, no Brasil, esse percentual é de 48,2%. A proporção é baixa se comparada a países como Reino Unido (83,5%), França (77,5%), Alemanha (76,8%), Espanha (70,4%), Canadá (69,8%), Argentina (67,7%) e Austrália (66,6%).
Em se tratando de despesas em saúde per capita, em dólares, o Brasil gasta US$ 1.085, incluindo os gastos feitos pelos setores público e privado. Seu desempenho só não está pior do que a Argentina (US$ 1.074), mas é deficitário. Estamos deficitários em relação a todos os demais países mencionados: Canadá (US$ 5.718), Alemanha (US$ 5.006), França (US$ 4.864), Reino Unido (US$ 3.598), Espanha (US$ 2.581).
CONTRASTES
Além do gasto global com saúde das três esferas de gestão, o CFM e o Contas Abertas também apuraram o valor aplicado individualmente pelos estados e capitais com recursos derivados de impostos estaduais ou municipais, transferências fundo a fundo excluídas apenas as aplicações diretas, ou seja, despesas da União ou do Estado em municípios, sem intermediação. Sob esse viés, a média de gasto per capita ao dia com saúde ficou em R$ 1,38 entre as 27 unidades da federação. Já nas capitais, foi de R$ 1,87 ao dia.
Os dados permitem comparar o desempenho entre vários estados e cidades e verificar situações de extrema diferença de gasto per capita entre eles. Os piores colocados aplicam menos de um quinto do que daqueles que estão no topo do ranking. Por exemplo, entre as capitais, a pior colocada – Salvador (BA), com R$ 0,59 – aplica menos de 20% per capita do que a melhor colocada, Campo Grande (MS), com R$ 3,15.
Entre os estados, 18 ficaram abaixo da média, com menos de R$ 1,38. IMas piores posições, aparecem Pará (R$ 0,74 por habitante ao dia), Maranhão (R$ 0,77) e Mato Grosso do Sul (R$ 0,80). No extremo oposto, com os melhores desempenhos, estão Distrito Federal (R$ 3,27), Acre (RS 2,92) e Tocantins (R$ 2,50).
MODELO ASSISTENCIAL
A análise dos dados deve ponderar não só quanto se gasta, mas também como se gasta, o chamado gasto em saúde associado ao modelo assistencial. A opinião é de Eli lola Gurgel Andrade, vice-presidente da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva e professora do Departamento de Medicina Preventiva da UFMG – Universidade Federai de Minas Gerais.
Eli explica que o modelo assistencial que o Brasil luta para estruturar é aquele com a atenção básica organizada com base nas ESF – Equipes de Saúde da Família, tendo em vista a experiência de outros sistemas no mundo, sobretudo o inglês, que é o mais antigo e que serviu de matriz para a organização dos outros da Europa. “Esta base é inclusive uma forma de se racionalizar gastos, pois assim que se entra pela porta de um hospital, já está em uma unidade de alta complexidade e, portanto, de alto custo”, diz.
A especialista explica ainda que, segundo a literatura, 85% das condições de saúde são passíveis de resolução na atenção básica. Para isso, no entanto, ela precisa ser de qualidade. “A saúde no Distrito Federal, por exemplo, é nacionalmente reconhecida como uma das mais precárias. O que acontece é que tem uma rede pública precária e compra serviços do setor privado. Esses menos de 30% de cobertura de ACS – Agentes Comunitários de Saúde e ESF significa que a população tem de procurar outros recursos, provavelmente a porta de entrada de um hospital, conveniado ou contratado – o que é caro”.
IDH
No estudo, as despesas em saúde também foram cruzadas com dados oficiais, como oferta de leitos para cada grupo de 800 habitantes e cobertura populacional de ACS e ESF e indicadores epidemiológicos (taxas de incidência de tuberculose e dengue).
Também foi apurado o IDH – índice de Desenvolvimento Humano, que mede a partir de dimensões como o acesso à saúde de qualidade. Os números apontam para uma forte tendência de que os que destinam menos recursos per capita para a saúde apresentem, sobretudo, baixo desempenho no IDH.
É o caso, por exemplo, do Pará – um dos piores colocados no quesito de aplicação per capita (R$ 0,74 ao dia), seguido do Maranhão (R$ 0,77). Ambos também estão entre as piores posições em relação ao IDH (259 e 269 lugar entre os estados brasileiros, respectivamente). Muitas vezes, o desembolso financeiro se reflete em vários outros índices, como o número de leitos e de incidência de doenças. Nos casos citados, ambos também estão abaixo da média nacional – de 1,73 leitos por 800 mil habitantes. Eles são os 189 e 209 piores colocados entre os 27 estados.
Na avaliação do coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS do CFM e conselheiro federal pelo estado do Paraná, Donizetti Giamberardino, há uma desigualdade muito grande entre os indicadores de saúde e também no gasto no setor, seja nos estados ou nas capitais. “Temos um sistema público que deveria observar princípios fundamentais como universalidade, equidade e integralidade, mas que está sujeito a tantos fatores – e o investimento talvez seja um dos mais importantes deles -que acaba sendo desigual e até injusto em alguns lugares”, criticou.
Giamberardino faz referência ao indicador de leitos hospitalares, por exemplo, que revela uma oferta proporcionalmente menor nas regiões Norte e Nordeste. “Esse fenômeno da queda do número de leitos já foi constatado pelo CFM em levantamentos anteriores e, havendo redução de recursos no setor e aumento da população, a tendência é que a essas proporções caiam ainda mais”, disse.
Fonte: Revista Hospitais Brasil