Hora de inovar
Publicado em 20/06/2016 • Notícias • Português
O mercado segurador brasileiro atravessa em 2016 uma de suas piores fases, com forte desaceleração das vendas por conta da dupla crise – econômica e política – que causou a queda da atividade e a alta da inflação. Mas a “pausa” também está sendo encarada como uma oportunidade de reflexão e atualização às novas tendências ditadas pela tecnologia.
Para um setor que vinha com expansão de 10% ao ano na média dos últimos oito anos, o faturamento em prêmios dos primeiros quatro meses registrou queda real (descontada a inflação do IPCA) em todos os segmentos se comparado ao mesmo período de 2015. Na soma das modalidades de seguros, o volume total em prêmios, de aproximadamente R$ 69,2 bilhões, representou uma alta de apenas 6% em comparação aos R$ 65,2 bilhões do mesmo período do ano passado. Descontada a inflação de 12 meses, o resultado é negativo em 3,4%.
“O setor tem um efeito retardado porque trabalha com riscos (contratos) anuais, pagamentos antecipados, demora mais para sentir um declínio”, explicou Roberto Westenberger, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o órgão federal que regula e supervisiona o setor. Segundo ele, apesar da desaceleração da economia ter começado em 2014, o mercado segurador só começou a sentir o baque no fim do ano passado.
Marco Antônio Barros, diretor executivo da CNseg, entidade que reúne as empresas de seguros, previdência e capitalização, destacou a retração nos ramos patrimoniais e de saúde suplementar que perdeu 1,3 milhão de vidas seguradas, principalmente devido ao desemprego.
“Ainda estamos com crescimento nominal positivo, mas já percebemos um impacto maior da crise este ano, as pessoas precisaram de dinheiro e sacaram da previdência”, constata Edson Franco, presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). Com isso, afirma, a captação líquida da previdência fechou o primeiro trimestre no zero a zero e negativa no acumulado até abril.
A projeção é de que o mercado cresça entre 9% e 10% até o fim de 2016, comparado com o ano passado, números que, se concretizados, vão superar muito pouco a inflação do período, se não empatarem.
A expectativa de crescimento se baseia no espaço que o mercado de seguros ainda tem para avançar. Pelos cálculos da CNSeg, existem atualmente 50,3 milhões de planos de assistência, 21,8 milhões de planos odontológicos, 17,1 milhões de veículos segurados, 9,1 milhões de residências seguradas, 23,8 milhões de planos de previdência e 2,1 bilhões de títulos de capitalização. Parecem grandes, mas os números são pequenos para um país de 200 milhões de habitantes, com o nível de renda e desenvolvimento do Brasil.
“Embora a participação do mercado segurador no PIB tenha aumentado de 1% para 6% nos últimos 15 anos, o país ainda é apenas o 44º colocado no ranking mundial de consumo per capita do produto, o que configura uma grande oportunidade de expansão”, comentou Randal Zanetti, presidente do grupo Bradesco Seguros.
Um dos efeitos da crise foi a desvalorização dos ativos, o que se traduziu, no mercado segurador, em uma consolidação através de fusões e aquisições que atingiram principalmente o ramo de grandes riscos, analisa Marcelo Elias, diretor da consultoria de risco e corretora Marsh.
Mas não é só a crise. A chegada de novos “players” vem se intensificando desde a abertura do mercado de resseguros, trazendo competição e inovações gerenciais e tecnológicas. “O Brasil ainda está um passo atrás na implementação de inovações tecnológicas no setor de seguros”, afirmou Raphael Araújo, líder da área de seguros da consultoria internacional Accenture. A constatação emerge do mais recente relatório Tech Vision para Seguros 2016, produzido pela consultoria com base em pesquisa realizada com 445 executivos de seguros, dos quais 31 brasileiros.
As respostas dos executivos apontaram para a tendência de que a próxima onda da tecnologia – Internet das Coisas (IoT, sigla em inglês), ecossistemas baseados em plataforma e inteligência artificial – está amadurecendo e deverá transformar a própria natureza da organização de seguro e o que ela faz.
A crise será uma oportunidade para as seguradoras mudarem seus modelos de negócios tradicionais, com ganhos importantes na avaliação e mensuração de risco, evitando perdas e aumentando a base de clientes, diz Araújo. No entanto, vai exigir uma transformação drástica da força de trabalho e cultura.
“O setor segurador é arcaico, conservador, poucas seguradoras trabalham com webservice”, comenta o jovem Felipe Cunha, CEO da plataforma Tô Seguro, uma das corretoras on-line surgidas nos últimos dois anos focadas na popularização do seguro pela internet. A proposta da Tô Seguro, assim como de outras plataformas da chamada tecnologia em seguros (InTech), é utilizar a força da tecnologia para oferecer produtos simples, fáceis de entender e mais baratos, para ganhar espaço de mercado popular.
Westenberger garante que a Susep está aberta para discutir com o mercado a solução definitiva para “gaps” históricos que entravam o crescimento do setor. Um dos grandes obstáculos, reconhece, é a burocracia que gera uma lentidão na criação de produtos que realmente atendam às necessidades de uma base maior de segurados, especialmente os da nova classe C.
A regulamentação de produtos que estão há anos em discussão, como o seguro popular de automóveis – uma versão mais barata, focada em veículos usados -, cobertura especial para o risco de longevidade dos fundos de pensão e o lançamento do Universal Life – seguro de vida que combina risco e acumulação na mesma apólice – são alguns novos produtos que poderão ser lançados ainda no segundo semestre.
“Vamos investir muito em mobile”, afirma Roberto Barroso, presidente do grupo BB e Mapfre nas áreas de vida, habitacional e rural. Segundo o executivo, o grupo está aproveitando a desaceleração do mercado para testar novos produtos e colocar na prateleira inovações nas quais a seguradora está investindo já algum tempo dentro da sua divisão de tecnologia digital.
Um desses novos produtos é um aplicativo para o seguro auto que faz parte de uma família de “apps” que incluirá assistência à residência (chaveiros, eletricistas, bombeiros) e, em seguida para o seguro de vida. A ideia é conectar o segurado com a rede de assistência em caso de acidente ou qualquer outro tipo de sinistro, sem passar pelo “call center”.
O tema ganhou tanta importância na Mapfre que uma equipe exclusiva, “cheia de gente jovem, liderados por uma mulher”, foi criada dentro da área de tecnologia, só para desenvolver produtos e serviços que atraiam mais clientes. “A mudança de hábitos nos obriga a investir em tecnologia para ampliar o número de clientes”, disse Barroso.
Fonte: Valor Econômico