Médicos Recebiam Propina Para Fazer Cirurgias Utilizando Próteses
Publicado em 28/06/2016 • Notícias • Português
Quase um ano e meio após as primeiras denúncias sobre a “máfia das próteses”, 17 empresas foram investigadas e dez pessoas foram indiciadas por estelionato, corrupção e falsidade ideológica. No esquema, médicos recebiam propina para fazer cirurgias envolvendo dispositivos superfaturados. A fraude atingiu o SUS (Sistema Único de Saúde) e os planos.
O que mais alvoroça esse mercado, que movimenta ao ano 12 bilhões de reais, porém, não são as investigações e sim a possibilidade de o governo tabelar os preços das próteses. O CFM (Conselho Federal de Medicina) defende a medida.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também trabalha em um registro nacional de implantes, com padronização de nomenclaturas, que permitirá a comparação de preços.
Hoje, muitos fornecedores proíbem a divulgação dos preços. Isso permite que sejam cobrados valores diferentes pelo mesmo material. Uma prótese de quadril pode custar entre 2.282 reais e 19 mil reais, dependendo do hospital. O preço de um stent farmacológico da mesma marca varia de 7,5 mil reais a a 29 mil reais, segundo a Anvisa. Questões regionais explicam parte da diferença, mas a outra parte se deve a propinas a médicos e hospitais.
O caso das próteses é a ponta do iceberg de um sistema cheio de distorções, diz o administrador público Paulo Furquim. “É chocante saber que um médico pode, por vantagem financeira, escolher uma prótese que custa mais e é de pior qualidade, em prejuízo ao bolso e à saúde do paciente”, afirma. Para especialistas, essa distorção é provocada porque não há indicador de qualidade que permita a comparação de uma prótese com outra. Assim, a estipulação do preço se dá por critérios subjetivos, como o poder do fornecedor ou a indicação do médico. “A transparência de informações e da qualidade, no mínimo, inibiria práticas desleais”, sustenta Luiz Augusto Carneiro, superintendente do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar).
A Abimed (Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde) defende a padronização da nomenclatura dos produtos, mas é contra a regulação de preços. Argumenta que essas intervenções podem levar à escassez de produtos ou à redução da inovação. Cita como exemplo Japão e França, que adotaram o controle de preços sem sucesso.
Custos invisíveis.
Segundo Aurimar Pinto, diretor da Abimed, é preciso um olhar mais amplo para todas as etapas das cadeias para resolver a questão. Ele aponta que o mercado é complexo, tem um ciclo rápido de inovação (18 a 24 meses) e um grande número de produtos (pelo menos 50 mil itens) com alto grau de especificidades. Um exemplo é o fato de uma única cirurgia de joelho envolver 700 itens. O dirigente da Abimed ainda expõe que há custos “invisíveis” envolvidos, como os de treinamento de profissionais, logística para estocagem e assistência técnica.
No ano passado, importadores, distribuidores e fabricantes firmaram um acordo setorial, criando um canal de denúncias com o Instituto Ética Saúde. Em dez meses, foram recebidas 366 reclamações envolvendo 1.195 pessoas e entidades. A oferta de propina em troca de indicações foi o tópico mais citado. As denúncias são encaminhadas à Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde.
Conforme Claudia Scarpim, diretora do instituto, a ação inclui hospitais e indústria, mas não as entidades médicas. “A gente fica frustrada porque é a parte que deveria estar mais preocupada em acabar com isso.” As entidades, como o CFM, defendem que a melhor forma de combater as irregularidades é a criação de mecanismos de regulação de preços. O conselho defende ainda que os profissionais envolvidos com corrupção sejam punidos também na Justiça. Em 2010, uma resolução interna proibiu o médico de exigir um único fornecedor de próteses.
Fonte: O Sul Online