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Menos médicos

Publicado em 11/01/2016 • Notícias • Português

A crise na saúde pública vem afugentando médicos que, quando passam em concursos, desistem de assumir as vagas oferecidas nas principais capitais do país. Em São Paulo e em Belo Horizonte, esse índice de recusa na última seleção chegou a 63%; em Porto Alegre foi de 58% e no Rio, de 55%, contam JAQUELINE FALCÃO e SILVIA AMORIM.

Em São Paulo, a prefeitura prepara novo concurso para cobrir o déficit de 1.090 profissionais. Conseguir um emprego público é algo cobiçado no Brasil. Interessados enfrentam filas, submetem-se a provas concorridas e, quando aprovados, contam os dias para a convocação. Mas esse ritual, conhecido da maioria do funcionalismo, não tem se aplicado a uma carreira em especial: a de médico. Nesse caso, a recusa em assumir um emprego oferecido por prefeituras ou governos estaduais chega a 63% dos aprovados em concurso público. Os maiores índices estão justamente nas grandes capitais — São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro — e no Distrito Federal.Precárias condições de trabalho, salários pouco competitivos, falta de plano de carreira e demora na convocação são os fatores apontados para o desinteresse em vagas na rede pública. No município de São Paulo, o salário para 20 horas semanais é de R$ 6 mil; no DF, de R$ 7 mil.
Dois em cada três médicos que foram convocados nos últimos anos para trabalhar em unidades das prefeituras de São Paulo e Belo Horizonte recusaram o emprego. Na capital paulista, dos 1.275 médicos chamados, 809 (63,5%) não quiseram o cargo. Na capital mineira, o índice é parecido, 63,3%. No Rio e em Porto Alegre, os números são menores, mas ainda assim representam mais da metade dos selecionados — respectivamente, 55,3% e 58,8%.
Com a pior performance, São Paulo prepara uma nova seleção este ano para o preenchimento de 1.090 vagas para pediatras, ginecologistas, clínicos gerais e anestesistas, entre outros — áreas de maior demanda e carência da rede pública. Enquanto isso, do outro lado do balcão, quem depende do SUS espera de 30 a 90 dias por uma consulta com um clínico geral. Quando vai a um pronto-socorro, a fila para o atendimento pode chegar a cinco horas.
Foi o que aconteceu com o comerciante Alan Novaes, de 31 anos, que também se queixa do atendimento ruim. Em dezembro, ele disse que esperou quatro horas pelo clínico geral na UPA Campo Limpo, no extremo sul da cidade, e sequer foi examinado.
— A consulta durou poucos minutos, e o médico não colocou a mão nem para ver onde doía, se era estômago mesmo. Receitou Buscopan na veia. Eu melhorei com um remédio que tinha em casa — conta o paciente.
Há quatro dias, ele voltou à unidade com seu avô, de 83 anos, em convulsão. Segundo a família, só havia um médico para atender todos os casos da UPA naquela manhã.
A crise na Saúde é crônica e generalizada no país. As dificuldades econômicas de 2015 apenas tornaram o quadro mais agudo e expuseram as deficiências de um sistema que agoniza há tempos. A situação mais grave é a do Rio de Janeiro, que enfrenta o fechamento de hospitais por falta de recursos e funcionários. O governo fluminense admitiu ter dívidas que somam R$ 1,4 bilhão com fornecedores e, na semana passada, repassou dois hospitais — Albert Schweitzer e Rocha Faria — à prefeitura.
Outro local preocupante é o Distrito Federal, que tenta reverter a dispensa de pacientes em seus hospitais. Além de um déficit de cerca de mil médicos, o governo está às voltas com equipamentos sucateados. No principal hospital de Brasília, o Hospital de Base, os dois tomógrafos estão quebrados, e a promessa é que um deles volte a funcionar esta semana.
SUBFINANCIAMENTO DA SAÚDE
Para entender o ritmo com que tem se dado a contratação de médicos por prefeituras e estados, O GLOBO pediu às principais secretarias de Saúde das cinco regiões um balanço das nomeações dos últimos concursos. Nos estados, esse mapeamento mostrou-se mais complicado por causa da terceirização dos hospitais. Governos alegaram não ter dados das contratações pelas entidades gestoras.
Para Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, o alto índice de recusa de emprego público por médicos está relacionado à demora na convocação.
— A administração pública vive ainda no começo do século XX. Quem presta um concurso quer começar a trabalhar logo. Não quer esperar seis meses, um ano — diz Vecina, secretário municipal de Saúde de SP em 2003 e 2004.
Na sua gestão, uma seleção para preencher 2 mil vagas teve apenas 1,2 mil inscritos: — Só 200 assumiram. O presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), Braulio Luna Filho, atribui a uma lista maior de problemas o desinteresse da categoria.
— Não é questão de atender um ou dois itens. Se você não der condições de trabalho, salário de mercado e segurança, você não fixa o médico. Nem a terceirização da Saúde, que virou moda, conseguiu resolver isso — defendeu.
Na avaliação de Luna Filho, a origem da crise da Saúde está no financiamento da área.
— O setor público investe cerca de 2,5% do PIB para atender 160 milhões de pessoas, enquanto o privado investe 7,5% para atender 50 milhões de pessoas. Tem alguma coisa errada nisso — afirmou ele.
Uma pesquisa do Cremesp divulgada em novembro passado mostrou que a rede privada tem hoje 20 mil médicos a mais do que a pública. São 399.692 médicos no país. Desses, 27% (107 mil) atuam exclusivamente em entidades particulares; 22% (87 mil), nas unidades públicas; e 51% (203 mil), em ambas as esferas.
— Vivemos um tempo diferente. Na rede pública, não há mais perspectiva de carreira. Um médico que trabalha contratado por uma organização social ou na rede privada recebe mais que um concursado. Desprezar isso é ignorância — avalia Vecina Neto.
O Brasil tem cerca de dois médicos para cada mil habitantes. Mais da metade deles (55%) concentra-se nas capitais, onde vivem apenas 23% da população.
Em algumas capitais, a saída encontrada para reduzir o déficit foi a contratação emergencial.
— Foram mais de 20 chamadas dos aprovados, mas não conseguimos preencher as vagas. A carga horária e o deslocamento para regiões periféricas foram o que mais dificultou — disse a diretora de Atenção Básica da prefeitura de Salvador, Luciana Peixoto.
Salvador recorreu ao programa federal Mais Médicos e a contratações temporárias para cobrir o buraco. O mesmo fez BH, que optou por chamamento público para preencher 779 vagas.
Em Belém, a busca se mostra ainda mais árdua. A prefeitura abriu uma seleção em 2012 para recrutar 702 médicos, mas apenas 28 candidatos foram aprovados. “Dois recusaram por questões salariais”, informou a Secretaria de Saúde. Na capital, o déficit de médicos (433) é mais da metade do total na ativa (685).

Fonte: O Globo

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