Mulheres em Foco – Jiham Zogbi
Publicado em 03/11/2021 • Notícias • Português
O destaque desta edição do Mulheres em Foco, espaço destinado a apresentar mulheres que fazem a diferença no setor da saúde, é Jiham Zogbi. Libanesa que vive no Brasil deste 1990, ela é fundadora da Dr. TIS, startup que oferece sistemas white-label de telemedicina para hospitais, médicos e operadores de saúde.
Jiham foi uma das moderadoras do 1º Fórum Intersetorial de Saúde Digital, uma iniciativa da Secretaria Especial de Produtividade e Competividade do Ministério da Economia (Sepec/ME), em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da ABIMED e da GIZ Brasil (Agência de Cooperação Alemã para o Desenvolvimento), realizado na segunda quinzena de setembro.
Conheça um pouco sobre sua carreira:
Conte um pouco sobre sua trajetória profissional:
Jiham – Saí de casa muito cedo. Fui a primeira mulher da minha aldeia de Kamed El Louz a sair de casa para estudar na capital do Líbano. Lá conquistei uma bolsa de estudos para ingressar na Universidade Americana de Beirute para estudar Matemática. Aos 21 anos, cheguei ao Brasil, aprendi a falar português sozinha e optei por iniciar minha segunda graduação em Ciências da Computação no Mackenzie. E fui uma das poucas mulheres da minha turma. Meu primeiro trabalho no Brasil foi na área de saúde na Ameplan, operadora em São Paulo.
No mestrado em Ciência da Computação, na Universidade de São Paulo, foquei meus estudos em processamento de imagens médicas usando modelos matemáticos para segmentar tumor cerebral. Foi no doutorado, também em Ciências da Computação pela USP, que meus estudos foram aprofundados em Deep Plane, uma Inteligência Artificial na qual montamos uma rede neural aplicada à classificação de imagens médicas normais e anormais.
Meu desejo de atuar na área da saúde falou mais forte ao perder meu irmão para o câncer. Eu queria usar a tecnologia para ajudar no diagnóstico de doenças e permitir o acesso às pessoas que não tinham condição financeira de pagar por isso.
Durante uma visita à Jornada Paulista de Radiologia tive um insight importante. Eu vi muitas empresas estrangeiras com sistemas de diagnóstico de imagem e poucas iniciativas nacionais e estava ciente dos avançados estudos e da quantidade de gente talentosa e capaz no Brasil. Isso despertou o desejo de fazer algo disruptivo que alcançasse também o mercado internacional. E assim surgiu a Dr. TIS, healthtech especializada em diagnóstico de imagem e telemedicina.
Quais foram os maiores desafios que enfrentou em sua trajetória profissional?
Jiham – Existem vários desafios dentro da jornada de empreendedorismo. A cada fase surgem desafios diferentes. O primeiro deles é entender as dores que você vai resolver nos seus potenciais clientes. Depois vem a estruturação, montando uma equipe diferenciada com capacidade técnica e muita agilidade. Então, chega a hora de tornar tudo isso real, encontrar seu cliente e montar seu MVP, o ‘produto mínimo viável’. Entre todos os desafios que encontrei, o maior deles foi mudar a cultura das pessoas e convencê-las a mudar seus processos e investirem em transformação digital.
Teve maiores dificuldades para ser aceita profissionalmente por ser mulher?
Jiham – Não senti dificuldade por ser mulher porque eu nunca olhei para o gênero como um principal ativo para você conseguir fazer alguma coisa na vida. Sempre foquei no objetivo e na capacidade de fazer acontecer. Pode ser que algumas pessoas duvidem da força da mulher, de conseguir empreender, de ter um produto realmente bom no mercado. Eu senti isso algumas vezes, mas nunca deixei isso me afetar, porque para mim é indiferente. Por atuar na área de exatas, sempre trabalhei em grupo com uma presença maior de homens. O problema está no mercado e não na atuação da mulher. É preciso mudar esse mindset.
Como você avalia a participação feminina na área da inovação e no setor de saúde de forma geral?
Jiham – Não é nada fácil ser mulher no ecossistema de inovação brasileiro. O “Female Founders Report 2021”, estudo elaborado pela empresa de inovação Distrito, em parceria com a Endeavor e a B2Mamy, mostra que as empresas de base tecnológica fundadas apenas por mulheres representam 4,7%. Há uma década esse número era de 4,4%, ou seja, evoluímos muito pouco. O estudo ainda aponta que, entre essas empresas fundadas por mulheres, a área de saúde e biotecnologia se destacam representando 15,2%.
Em uma rápida análise social, percebe-se a liderança feminina nas rotinas de cuidado com a saúde dentro de casa. Essa habilidade migra para o perfil das executivas, no ambiente corporativo. A visão ampliada sobre as necessidades das famílias, a experiência de mercado e a qualificação médica são fatores que, juntos, geram enorme potencial para mudar a realidade. Quando se trata de tecnologia, o tema é ainda mais complicado, pois exige que as gestoras trabalhem além para mudar o mindset das pessoas. É fato que lideranças femininas ocupam, pouco a pouco, um papel estratégico no mundo da inovação.
Mas a semente já está sendo plantada. Prova disso é que essas dirigentes se tornaram vozes ativas em projetos que evoluíram do campo das ideias para negócios escaláveis, que têm atraído a atenção de investidores internacionais. Mulheres, tecnologia e saúde se complementam em um hub de transformação.
Você tem algum conselho para outras mulheres que pretendem ingressar no mundo da inovação em saúde?
Jiham – Meu conselho é que desempenhem o melhor que sabem fazer. Sejam criativas e inovadoras. Busquem pelas melhores oportunidades para aquele momento. Estudem muito, conhecimento é a base e sem ele não chegamos a lugar nenhum. É importante não parar de estudar nunca. Não parem na graduação. Vão além, façam uma especialização, intercâmbios, se for possível. Não desanimem nos primeiros obstáculos. É preciso correr atrás do sonho e investir nele.
Em sua opinião, qual será o futuro da Telemedicina no Brasil e no mundo?
Jiham – Acredito que o Brasil precisa da telemedicina e o uso dessa tecnologia tem o potencial para democratizar a saúde no país. Não há justificativa razoável para o Brasil — um país de dimensões continentais e com tantos gargalos na saúde — não autorizar o uso permanente da telemedicina no pós-pandemia. Trata-se de um modelo de atendimento comprovadamente eficaz em diversos casos, como controle de doenças crônicas e acompanhamento pós-cirúrgico. Mas, paralelamente a isso, já há diversos outros recursos prontos para serem utilizados em breve, como chips para monitoramento remoto de sinais vitais, assistentes virtuais para acompanhamento de pacientes crônicos e inteligência artificial para coleta, armazenamento e cruzamento de dados — só para citar alguns.
A telemedicina é uma alternativa eficaz para ajudar a desafogar o sistema de saúde, diminuir custos, agilizar diagnósticos e levar atendimento de qualidade a áreas remotas do país. E eu confio que será um serviço que permanecerá disponível após o período de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional — que, hoje, é a classificação que permite o uso da ferramenta. O governo — junto, claro, ao Conselho Federal de Medicina, instituições de saúde e profissionais — devem se preparar para o aumento na demanda. São necessárias regulação, capacitação e informação para que os atendimentos à distância aconteçam de forma responsável e segura.
Qual sua opinião sobre iniciativas como o Fórum Intersetorial de Saúde Digital para a democratização da saúde no Brasil?
Jiham – Para democratizar a saúde no Brasil, o Fórum Intersetorial de Saúde Digital foi fantástico. O painel trouxe a participação de pessoas de várias ações e perfis diferentes, como áreas jurídicas, inovação e empreendedorismo. As abordagens foram em temas contemporâneos focando no cenário brasileiro atual, como a telemedicina. Precisamos de mais iniciativas como essa para buscar a mudança cultural e de mindset para promover a transformação digital na área da saúde.
Fonte: ABIMED