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O zumbido que incomoda o planalto

Publicado em 01/02/2016 • Notícias • Português

A presidente Dilma Rousseff estava em Quito, no Equador, na semana passada, para tratar de cooperação regional, mas não teve jeito. Durante uma entrevista, ela teve de abrir espaço para, mais uma vez, “explicar” uma declaração do ministro da Saúde, Marcelo Castro, do PMDB. Dias antes, Castro dissera que o Brasil estava “perdendo feio” a guerra contra o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue e do mais novo pavor da praça, o vírus zika. Primeiro, Dilma disse estar “bastante satisfeita” com o desempenho de Castro. Em seguida, deu uma nova interpretação para a fala. “A batalha não está perdida, não. Isso não é o que ele está pensando nem o que ele disse”, afirmou. “O que ele disse é que, se nós todos não nos unirmos, e se a população não participar, nós perdemos essa guerra.”

Marcelo Castro começou a se tornar um problema para Dilma em uma reunião do PMDB, em setembro do ano passado. Ele foi o primeiro a levantar a mão quando Leonardo Picciani (PMDB-RI), líder do partido na Câmara, perguntava aos integrantes da bancada quem gostaria de ser ministro. Picciani se preparava para levar para a mesa de Dilma uma lista de candidatos de seu partido a ocupar postos na Esplanada dos Ministérios, gesto que o consolidou como o principal nome do PMDB na Câmara aliado ao Palácio do Planalto. A escolha de Castro se deu com o apoio de um conterrâneo, o governador do Piauí, o petista Wellington Dias. Embora não disputasse sozinho o maior orçamento da Esplanada, os adversários de Castro para o cargo, os deputados Manoel lunior (PMDB-PB) e Saraiva Felipe (PMDB-MG), foram “queimados”. Deputado de pouca expressão, Castro foi favorecido na disputa pelo fato de ter sido sempre benquisto pelos deputados da legenda e ter ganhado destaque ao ser relator da reforma política – que lhe rendeu um bate-boca com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha – e um dos autores do projeto de distribuição dos royalties do petróleo.

A lista com os três postulantes do PMDB à Saúde foi levada para a presidente Dilma Rousseff, que decidiu indicar Castro, médico e especialista em psiquiatria. Apesar de médico, Castro não tem ampla experiência no exercício da profissão e recebeu um conselho óbvio dos colegas: montar uma boa equipe. Ele não contava, contudo, com o imponderável, o surgimento da epidemia do vírus zika em menos de um mês de trabalho. O já bem conhecido mosquito Aedes aegypti voltou a atormentar a vida dos brasileiros depois que médicos e pesquisadores associaram o novo vírus transmitido pelo inseto ao surto de microcefalia que começou pelo Nordeste, se espalhou por todo o território nacional e atinge países da América do Sul, Estados Unidos e Europa – a ponto de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter emitido um alerta na semana passada e o presidente americano Barack Obama ter mencionado o problema em um discurso.

Muito antes de Obama saber do assunto, Marcelo Castro já havia derrapado várias vezes no tema. Suas declarações foram, no mínimo, desastrosas. Ao confirmar a associação entre o zika e a microcefalia, o ministro usou sua autoridade para aconselhar as mulheres a não engravidar. “Sexo é para amadores, e gravidez é para profissionais.” Logo em seguida, Castro estabeleceu uma correlação entre as mulheres serem infectadas pelo vírus com seus hábitos de vestimenta, já que elas “normalmente ficam de perna de fora e, quando usam calça, usam sandália”, disse. A partir daí, a série de declarações desastrosas se alastrou. Como um Aedes aegypti verbal, Castro disseminou mais frases ruins. Em uma delas, ao tratar da possibilidade de uma vacina, disse torcer para que as mulheres pegassem zika antes do período fértil. “Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Nós vamos dar para as pessoas em período fértil. E vamos torcer para que as pessoas antes de entrar no período fértil peguem zika, para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa vacina”, disse. Até que, na semana passada, Castro admitiu que o país estava “perdendo feio” a guerra contra o mosquito, talvez sua única declaração consciente sobre o assunto.

Como costuma agir quando não confia em algum de seus ministros, Diíma nunca deu muito espaço para Castro expor suas ideias em reuniões do Planalto sobre doenças ligadas ao Aedes aegypti. Muitas das questões ficaram a cargo do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. Além disso, alguns presentes nessas reuniões relatam que Dilma costuma ouvir com atenção as palavras do general Adriano Pereira Junior, da Defesa Civil. Diante do agravamento do cenário, o afastamento de Castro do cargo chegou a ser defendido por alguns assessores próximos a Dilma e, inclusive, por algumas alas do PMDB, que avaliam que o mau desempenho do ministro pode afetar a imagem da sigla.

Porém, Dilma decidiu seguir o conselho do ministro Jaques Wagner e não chamou a atenção de Castro em público – pelo contrário, até o defendeu, como na semana passada. Não é por falta de vontade, mas por pragmatismo político: apesar do cenário ruim na saúde, uma demissão do ministro neste momento poderia criar mais um mal-estar na relação entre o PT e o PMDB, já que a distribuição da Saúde e de outras pastas se deu em busca de apoio político para barrar o processo de impeachment de Dilma.

Leonardo Picciani, responsável por negociar as indicações do PMDB para a Esplanada dos Ministérios, esteve com Castro duas vezes na última semana. “Eu falo com ele toda semana”, diz, e rapidamente nega que exista qualquer problema na relação entre o ministro e o Planalto. Já parlamentares críticos ao governo dizem que Castro está sendo usado pelo governo como o culpado diante da dificuldade em combater o surto de zika. “Marcelo está virando bode expiatório. Uma Pasta sem dinheiro, com cortes brutais, com a demanda pelo serviço público de saúde aumentando, poder aquisitivo caindo, população envelhecida e epidemia; nem santo milagreiro nem Jesus Cristo resolvem isso”, afirma o deputado Osmar Terra, do PMDB gaúcho, que conta ter conversado com Castro logo após o surgimento da epidemia. Sobre as declarações desastrosas de Castro, Terra evita condená-lo. “O Marcelo fala o que ele pensa. Algumas declarações foram infelizes”, resume. As declarações do ministro provocaram risadas dos colegas de profissão. O Aedes aegypti verbal de Castro, no entanto, parece ter contaminado a presidente Dilma. Dois dias depois de desmentir o ministro sobre derrota na guerra contra o mosquito, Dilma voltou atrás com uma frase confusa. “Nós estamos perdendo. Enquanto o mosquito se reproduzir, estamos perdendo a luta. (…) Para proteger nossas crianças e nossas grávidas, temos de impedir que o Aedes aegypti nasça. Não vamos ganhar essa luta enquanto ficarmos de braços cruzados”, disse. Como no caso do zika, não há vacina para isso.

“O Marcelo fala o que pensa.

Algumas declarações foram infelizes”, diz o colega Osmar Terra

Fonte: Época

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