Pesquisas precisam de mais investimentos
Publicado em 09/12/2016 • Notícias • Português
Nos países desenvolvidos ou que vivenciam momentos de progresso, a inovação que dá origem a novos produtos, processos e patentes tem relação direta com o desenvolvimento econômico, com a geração de emprego e renda, o aumento da competitividade e a existência de uma política industrial. Esse, infelizmente, não é o caso do Brasil. Por aqui, vivem-se tempos de crise e de urgência na reinvenção da economia, que fazem os investimentos em pesquisas e tecnologias relacionadas à Saúde estarem aquém do necessário. Esse cenário repercute diretamente na qualidade de vida da população, sobretudo da parcela que conta exclusivamente com o Sistema Único de Saúde (SUS) para o acesso a cuidados médicos.
Analisando a produção científica, é fato que avançou-se muito nas últimas décadas. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed), o Brasil na 50a posição no ranking de inovação em saúde. Contudo, o problema está na distância entre quem pensa e quem produz. ‘Atualmente, ocupamos a 13a posição no ranking de papers publicados em revistas indexadas. Mas, olhando as patentes, o resultado é constrangedor e irrisório quando comparamos ao dos países desenvolvidos. Nosso problema está na dificuldade em aproximar o mundo da academia da linha de produção”, constata José Gomes Temporão. Segundo o ex-ministro da Saúde, várias medidas foram desenvolvidas, mas estamos longe de uma situação confortável. “Importamos todas as tecnologias. Para se ter uma ideia, importamos 80% do
que é necessário em insumos farmacêuticos. O déficit da balança comercial fechou negativo, só na Saúde, em US$12 bilhões”, destaca.
Os pesquisadores brasileiros são incansáveis e fazem sua parte, mantendo o alto nível de seus estudos. Em uma rápida pesquisa na internet, é possível se inteirar da qualidade do que é publicado em veículos de renome da comunidade científica. Entretanto, problemas legais impedem que o conhecimento desenvolvido nas universidades chegue até a sociedade. “As universidades brasileiras têm pesquisas importantes, mas há o gargalo de como essas pesquisas vão chegar ao público. Se elas não chegam, a indústria não tem como colocar no mercado”, explica Carlos Alberto Goulart, presidente da Abimed. Temporão, por sua vez, indica uma série de problemas estruturais, que vêm de longa data, impedindo a aproximação do que é desenvolvido nas bancadas de pesquisa da população. “A política que mais avançou nas últimas duas décadas foi a da Saúde, por causa da política de fortalecimento do complexo industrial da área.
Mas nós perdemos uma grande oportunidade nas décadas de 1980 e 1990, quando o Brasil abriu mão de uma política industrial voltada para a produção nacional, e isso só foi retomado e reforçado nos anos 2000. Temos, hoje, cerca de 100 parcerias entre laboratórios públicos e empresas privadas para produção e transferência de tecnologia. São projetos em desenvolvimento, que vão levar de cinco a dez anos até sua conclusão”, relata.
Governo institui políticas de incentivo
Com o objetivo de tentar colocar o Brasil em condição de menor dependência dos produtos e serviços importados e, ao mesmo tempo, promover sua competitividade e maior inserção no mercado global, o Governo Federal lançou, nos últimos anos, uma série de políticas públicas como elementos de incentivos à inovação. Uma delas é o denominado Complexo Industrial e Inovação em Saúde (CIS), isto é, o conjunto de setores que desenvolvem atividades produtivas no campo da Saúde. Essas atividades, por sua vez, mantêm relações intersetoriais para a realização de pesquisas, desenvolvimento e inovação; produção, compra e venda de insumos de saúde e de serviços; e conhecimentos e tecnologia. Categorizado em três grupos de atividades (indústrias de base química e biotecnológica, prestadores de serviços e indústrias de base mecânica, eletrônica e de materiais), o CIS organiza a cadeia de suprimento dos produtos industriais em saúde, articulando o consumo por parte dos cidadãos no espaço público e privado.
O conceito do CIS tem como antecedente a política de regulamentação de genéricos, considerada a primeira iniciativa de enfrentamento à vulnerabilidade externa do setor. Dentre as rotas ou os mecanismos de fomento ao CIS, temos o Processo Produtivo Básico (PPB), que estabelece a preferência de compra do governo por produtos e serviços de origem nacional, mesmo que custem até 25% mais caros do que os importados. Nesse caso, a empresa precisa comprovar aos Ministérios competentes seu conteúdo nacional. “O CIS introduziu o conceito de encomenda tecnológica, em que é possível encomendar uma tecnologia promissora que possa ter um grande impacto na saúde pública, mesmo que ainda esteja em desenvolvimento. O poder de compra do Estado está por trás dessa estratégia”, explica Temporão. Considerando que as compras públicas têm um peso significativo – cerca de 30% do mercado total de medicamentos são compras públicas, assim como 90% do mercado de medicamentos de alto custo e 50% do mercado de equipamentos —, o Ministério da Saúde pode usar esse poder de compra a seu favor. “É possível, por exemplo, induzir parcerias entre laboratórios públicos e privados, com o Fomento do BNDES, para que possamos produzir as tecnologias aqui e, assim, diminuir as importações”, completa o ex-ministro.
Outro mecanismo importante é o de Compensação Tecnológica (CT), que modificou a política de licitações. “A empresa vencedora de uma concorrência pública assume o compromisso de instalar no Brasil, em um determinado período de tempo, uma unidade produtiva da parte tecnológica que o governo considerar estratégica”, o presidente da Abimed. Temporão cita um caso que ilustra bem a aplicação desse mecanismo: “Temos uma política de atenção no SUS que envolve mais de 100 hospitais públicos e filantrópicos que oferecem radioterapia. Nesses locais, o equipamento mais usado é o acelerador linear. Vários deles precisam trocar seus equipamentos antigos por novos – e isso, no SUS, pode significar uma espera de alguns anos. O Governo fez uma chamada mundial, convocando os dois únicos fabricantes desses equipamentos. Quem construir uma fábrica aqui, fica com o contrato, que prevê a construção de um centro de treinamento. A sociedade só tem a ganhar, já que o Governo reduz custos e, ao mesmo tempo, renova o parque tecnológico do Brasil”. Goulart alerta que o sucesso da Compensação Tecnológica demanda uma infraestrutura paralela: “É fundamental criar centros de treinamento e promover o desenvolvimento de fornecedores, para que, assim, possamos ‘fertilizar o terreno'”.
Em abril de 2012, o Governo instituiu o programa Inova Saúde, com recursos de até R$2 bilhões para as empresas que queiram investir em pesquisas e desenvolvimento de tecnologias em saúde consideradas como estratégicas para o SUS. “Entre as áreas contempladas nesse programa estão as de Diagnóstico in Vitro, Cardiologia, Oncologia, Implantes Ortopédicos, Saúde da Mulher, Neurologia e Diabetes, com um total de R$600 milhões”, conta o presidente da Abimed. Em paralelo, o Governo criou, em setembro de 2013, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que visa criar e coordenar uma rede de laboratórios que possa apoiar aqueles que se propuserem a inovar, e instituiu a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que permite a uma empresa nacional ou estrangeira transferir determinada tecnologia, eleita como estratégica pelo Governo, para um laboratório público. “Nesse caso, o Governo se compromete a comprar dessa empresa, sem licitação pública, enquanto durar tal transferência. Essa foi a solução encontrada pelo governo para se tornar detentor de tecnologias consideradas estratégicas para o SUS”, esclarece Temporão.
É preciso repensar a dinâmica dos investimentos
Para que a Saúde Pública no Brasil evolua — e, consequentemente, atraia mais recursos para pesquisas e tecnologias —, é preciso mudar a forma de encarar os investimentos na área. “Há uma visão, que predomina no Governo, de que a Saúde é gasto. Temos que mudar esse olhar e encarar os investimentos em saúde como um atalho para o desenvolvimento social, para a inovação e para a geração de empregos. Não é exagero dizer que a Saúde pode ser parte da solução da crise econômica que vivemos. Não faz sentido cortar gastos. Investir é sair da crise”, defende Temporão. Goulart, por sua vez, encara a questão com otimismo e acredita que a confiança na economia traga mais competitividade ao país: “A instabilidade traz aversão ao risco e cria uma cultura de recuo por parte do empresariado. Experimentamos, no início deste ano, uma queda, mas estamos recuperando a confiança. O Brasil tem um potencial enorme e uma demanda reprimida na Saúde, é um alento de que os investimentos virão e toda a população será beneficiada ‘.
Cabe às organizações repensarem suas estratégias de modo a estarem conectadas aos mecanismos de incentivos à inovação propostos pela esfera governamental. “As oportunidades se encontram nas convergências entre as necessidades apontadas pelo governo e as oportunidades para as organizações colaborarem nesse processo de transformação do atual ambiente tecnológico do país. Isso se aplica não só à área da Saúde, mas também em todos segmentos de nossa economia”, define Goulart.
Fonte: Revista DOC