Plano B na saúde

Publicado em 02/05/2016 • Notícias • Português
Para conter a queda de pacientes, reflexo do desemprego, que tem tirado o benefício do plano de saúde dos trabalhadores, clínicas têm dado descontos de até 60% em consultas e exames. O número de beneficiários de planos privados encolheu em 776 mil usuários no ano passado, o primeiro recuo em 15 anos. Na tentativa de reverter a queda no número de pacientes, efeito do desemprego que tem tirado o benefício do plano de saúde de trabalhadores, clínicas particulares passaram a dar descontos de até 60% em consultas e exames médicos. O número de beneficiários de planos privados de assistência médica encolheu em 766 mil usuários em 2015, para 49,73 milhões, o primeiro recuo em 15 anos, segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde). Mais da metade dessa perda, ou 404,8 mil pessoas, era de beneficiários de planos coletivos empresariais. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Mensal divulgados pelo IBGE na sexta-feira, mostram que o desemprego no primeiro trimestre ficou em 10,9% no país.
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— Em momentos estabilizados da economia, a quantidade de exames particulares em nossa clínica é praticamente nula, porém, desde dezembro, estamos sentindo um crescimento na procura por exames particulares. Criamos, então, uma maneira de o público poder continuar a cuidar da saúde, mas de uma forma que cabe no bolso, e também para a clínica manter o movimento — explica Rogério Tasca, diretor médico da clínica Ecodoppler, na Tijuca, que, desde março, dá descontos de 20% a 52% em exames.
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Desde que perdeu o benefício do plano ao ser demitido de seu trabalho em uma empresa exploradora de petróleo, Elias Jorge Jreije e a mulher, a aposentada Maria da Conceição Abdon Castanho, começaram a pesquisar preços, para manter alguns tratamentos. Ela tem uma doença autoimune rara que demanda acompanhamento a cada dois meses. Jreije precisou fazer um exame cardiológico e, de ligação em ligação, descobriu os descontos na clínica Ecodoppler.
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— Uma outra vez perdi o emprego e fiquei um ano sem plano de saúde. Tem que pesquisar, para encontrar o melhor preço. Com a demissão, tivemos que cortar tudo lá em casa, reduzir gasto com luz, o valor dos pacotes de TV a cabo e internet e tive que trancar a minha faculdade (de engenharia de produção). Até recebo seguro desemprego, mas, mesmo juntando com o salário da aposentadoria da minha esposa, é muito pouco para manter o custo de vida — diz Jreije.
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No Flamengo, o Centro Ortopédico e Traumatológico (COT) passou a cobrar de quem perdeu emprego e plano de saúde, recentemente, só o valor que a operadora pagava à clínica pelo procedimento. A consulta que custa R$ 200 pode sair por R$ 78, desconto de 60%. Já uma sessão de RPG pode cair de R$ 70 para R$ 48 ou menos. A gerente do COT, Rita de Cássia Oliveira, diz que os descontos passaram a ser concedidos para atender às necessidades dos clientes, que passaram a relatar dificuldades para manter os tratamentos:
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— Essa crise atingiu todas as classes. Temos como pacientes desde supervisor de banco a recepcionista que perderam o emprego, e a dificuldade em pagar as consultas é a mesma. Tenho certeza que são pessoas que, mesmo quando voltarem a ter emprego e o benefício do plano, continuarão conosco. O que não podemos é deixar essas pessoas sem atendimento.
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Segundo a Lei 9656/98, que dispõe sobre os planos de saúde no Brasil, e a Resolução 279 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ao ser demitido sem justa causa, o funcionário tem direito de permanecer no grupo de segurados do plano oferecido pela empresa, desde que tenha contribuído mensalmente com parte da fatura do plano. Esse benefício vai de seis meses a dois anos e varia de acordo com o tempo de permanência no plano. Se o funcionário demitido decidir manter o benefício, ele assume o valor integral da mensalidade, pagando, além do que já contribuía, a parte que cabia à empregadora.
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O problema, aponta Rita, é que o orçamento anda tão apertado que, ao ficar desempregado, o trabalhador não tem como arcar com esse custo mensal, e acaba se desfazendo do plano:
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— Tem muito aposentado se desfazendo do benefício também, porque não tem mais condições de pagar por ele.
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Os que já tinham, mesmo antes da crise, uma tabela especial para quem não tem condições de pagar um plano de saúde nem o valor integral de consultas particulares, também sente os efeitos da crise. A diretora da Clínica Lan, na Tijuca, Ana Paula Coutinho Jorge, conta que a demanda por essas consultas cresceu cerca de 40% em 2015. Por meio da clínica social, as consultas podem chegar a R$ 140. No caso de uma sessão com psicólogo ou de fonoaudiologia, por exemplo, o preço é de R$ 60, desconto de 57%. A consulta com acupunturista, que custa R$ 100, também fica por R$ 60.
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— Muitas pessoas que se consultavam conosco por plano de saúde e ficaram desempregadas, automaticamente, passam a se consultar pelo valor mais acessível. — explica Ana Paula. — Principalmente no caso da terapia, é muito prejudicial que a pessoa interrompa o tratamento com o psicólogo que já lhe atende.
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As clínicas não investem em publicidade sobre os descontos, que se propagam no boca a boca entre os clientes. Também não exigem comprovante sobre as dificuldades financeiras.
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Segundo Marcio Serôa de Araujo Coriolano, presidente da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), a perda de mais de 700 mil usuários de planos de saúde em 2015 tem relação direta com o desemprego e deve se aprofundar neste ano:
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— O setor de plano e seguro depende de renda, produto e emprego. Mais de 75% dos contratos de seguro de saúde são empresariais. Então, se existe queda de emprego, é natural que os cobertos por planos deixem de tê-lo.
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De acordo com Coriolano, essa queda no número de usuários se deve, principalmente, a demissões em grandes empresas dos setores de óleo e gás, construção civil, montagem industrial e de serviços financeiros — mais impactadas pela recessão. Ele reconhece, ainda, que o investimento mensal num plano de saúde pode inviabilizar a sua contratação em tempos de renda em queda, e que a oferta de planos individuais é escassa. Sugere, como opção, os planos por adesão:
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— Um plano de saúde, por ter de cobrir todas as doenças e tratamentos previstos, tem um custo relativo mais alto do que a maioria dos outros serviços. E as consultas e procedimentos particulares, quanto mais a pessoa usa, mais ela paga. Existem várias ofertas de planos por adesão, que cobrem de pessoas afiliadas a entidades de classe e associações, empregados ou não.
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Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde, também relaciona a queda na renda ao recuo no número de beneficiários de planos:
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— Dentro da atual conjuntura do país, o principal debate gira em torno do que a sociedade deseja e pode pagar por saúde, porque, além do impacto das oscilações econômicas, há a questão dos custos do setor, que são muito altos.
Ela explicou, ainda, que a expansão da oferta de planos individuais está atrelada à viabilidade econômica do produto, e que a FenaSaúde vem alertando sobre a urgência de equacionar a regulação dos planos individuais, que, ao contrário dos coletivos, têm o teto do reajuste definido pela ANS.
Fonte: O Globo