Sustentabilidade na Atenção Primária
Publicado em 23/02/2023 • Notícias • Português
A Atenção Primária à Saúde (APS) tem seus próprios desafios. Consultas e exames de rotina e acompanhamento de pacientes crônicos (como cardiopatas e de diabetes) exigem que o sistema público, principalmente, supere alguns desafios a fim de não sobrecarregar o sistema. O “Estudo da OCDE da Atenção Primária à Saúde no Brasil”, elaborado em 2021, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, faz um diagnósticos detalhado dessa problemática e traça diretrizes para o aprimoramento do sistema público de atendimento à população brasileira. O objetivo é identificar a margem para o Brasil construir um sistema de APS mais sólido e, ao mesmo tempo, fortalecer as políticas e práticas existentes para aprimorar o acesso e a qualidade do atendimento.
De acordo com a publicação, a introdução do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, foi uma grande conquista para o Brasil, aumentando o acesso aos serviços e reduzindo as desigualdades em saúde. Por meio do SUS, a população brasileira pôde se beneficiar do acesso gratuito aos serviços preventivos de atenção básica prestados por equipes multidisciplinares da Estratégia Saúde da Família (ESF), que também contribuíram para mudar um sistema de atendimento historicamente centrado em hospitais. Sem dúvida, a expansão da ESF trouxe melhorias mensuráveis em termos de taxas de mortalidade infantil, entre outros impactos positivos. Por exemplo, a ESF está associada à redução de 45% das taxas de internação por 10.000 habitantes de 2001 a 2016, principalmente por condições sensíveis à Atenção Primária, como asma, gastroenterite, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. O Brasil também prioriza os gastos com APS: em 2019 foram destinados cerca de 16% dos recursos financeiros a este segmento, o que é um patamar semelhante aos demais países da OCDE.
Apesar desse progresso, pontua o estudo da OCDE, os principais indicadores sugerem que a APS no Brasil não está funcionando com tanta eficiência. O país enfrenta os desafios das desigualdades ainda marcantes no acesso e na qualidade da APS, com grave escassez de força de trabalho. A carga crescente de doenças crônicas não transmissíveis, associada à expansão da exposição a fatores de risco e ao rápido envelhecimento da população agravará os desafios existentes nesse contexto.
No Brasil, alguns tipos de câncer, hipertensão e diabetes possuem estratégias de rastreamento e prevenção. No entanto, há mais a ser feito para melhorar a profundidade e abrangência dessas estratégias. O estudo aponta que o aprimoramento dos sistemas de dados e a alfabetização em saúde são medidas complementares que não devem ser subestimados para estimular a maior prevenção e rastreio do câncer. Quanto ao rastreamento de hipertensão e diabetes, o Brasil deve desenvolver ainda mais os itinerários terapêuticos, com perspectiva centrada nas pessoas, integrando todos os profissionais de saúde em diferentes setores.
Também há deficiências evidentes quanto ao acesso à APS de alta qualidade. Apenas 65% da população é atendida pelas equipes da ESF e muitos pacientes ignoram os cuidados primários de saúde, procurando atendimento direto em especialidades ambulatoriais de hospitais. Há, ainda, desafios para a digitalização da APS, apesar de nosso país ter dado passos largos em direção à transformação digital. Em 2019, cerca de 78% das unidades de APS tinham sistemas de prontuário eletrônico do paciente (PEP). No entanto, o progresso em direção ao uso eficaz das APS digital ainda não é o ideal, com desigualdades significativas no uso de tecnologias de ferramentas digitais entre os trabalhadores da saúde e os cidadãos.
O estudo da OCDE traz recomendações de políticas públicas para melhorar a APS no Brasil. No que tange ao aprimoramento geral da qualidade da provisão foram indicados os seguintes pontos:
- Fortalecer o sistema de filtragem de dados, com cadastramento sistemático de pacientes nas ESFs, que orienta os pacientes para atendimento especializado conforme a necessidade por meio do sistema de encaminhamento.
- Incentivar a maior abrangência da APS, garantindo que todos os municípios tenham condições de realizar as ações e serviços de atenção à saúde.
- Desenvolver programas educacionais em prevenção de doenças e diagnóstico precoce.
- Coletar conjunto mais rico de indicadores de qualidade, em gama mais ampla de atividades preventivas e de gerenciamento de condições crônicas (como o consumo de álcool, obesidade, rastreamento de câncer e saúde mental), incluindo experiências de APS e implementar sistemas de relatório público para permitir que os pacientes monitorem o desempenho de cada ESF.
- Construir sistemas de credenciamento em torno de padrões de atendimento para todas as ESF, a fim de avaliar seu desempenho, identificar áreas que podem exigir melhorias e fornecer suporte para tais aprimoramentos.
- Expandir as redes de atenção à saúde para priorizar a prestação de cuidados integrados para pacientes com necessidades múltiplas.