Um hospital- fantasma
Publicado em 28/01/2016 • Notícias • Português
Corredores sujos, salas de cirurgia desativadas, montes de lixo e leitos vazios retratam o abandono do Hospital Pedro Ernesto, onde, por economia, pacientes são mandados para casa, mostra Caminhar por algumas alas do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, é como circular por um prédio fantasma. São corredores e mais corredores cheios de salas com portas trancadas — as que estão abertas, não há ninguém dentro. Por eles não passam médicos, muito menos pacientes. O que se vê são sacos de lixo cinza amarrados, à espera do recolhimento. Há também macas cirúrgicas largadas no meio do caminho, vassouras apoiadas em paredes sem pintura e bancos quebrados. Vítima da crise financeira do estado, o hospital passou a antecipar a alta de pacientes que não correm risco de vida e suspendeu cirurgias eletivas. A medida é uma forma de economizar recursos. Em 2015, o Pedro Ernesto tinha mais de 500 leitos, a maioria ocupados. Hoje, enfermarias com vinte vagas tem três, quatro, às vezes cinco pacientes internados. Em média, só 30% dos leitos estão ocupados.— Os leitos estão vazios porque os pacientes foram mandados para casa. Não existe uma ordem por escrito para isso, mas não faz sentido ele ficar internado, à espera de cirurgia, se não há previsão para ser operado. Se não for urgente, o procedimento não ocorre — conta um médico do Pedro Ernesto, que pediu para não ser identificado.
É difícil afirmar qual dos cinco andares do hospital tem o cenário mais caótico. Cada pavimento agoniza à sua maneira. No quinto pavimento, por exemplo, onde fica o centro cirúrgico, médicos dizem que poderiam ser realizadas mais de uma dezena de procedimentos ao mesmo tempo. Agora, conseguiram preservar duas salinhas para operações extremamente urgentes. Estima- se que esteja sendo feita apenas uma cirurgia complexa — cardíaca ou neurológicas — por dia. E cerca de outras cinco, se forem urgentes, mas menos complexas.
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LIMPEZA FEITA POR FUNCIONÁRIOS
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Não importa o andar, o que fica claro é que o Pedro Ernesto se tornou um hospital insalubre. Um exemplo disso é a ala para pacientes com doenças infectocontagiosas, como Aids e tuberculose. Em uma das enfermarias, doentes ficam junto à sujeira. Há papéis imundos no chão, e gazes usadas perto dos leitos. Não adianta jogar no lixo, pois as latas estão entupidas. Devido à greve de alguns profissionais terceirizados da limpeza, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas ganharam uma nova função: limpar setores onde há pacientes internados.
— Já fizemos vaquinhas para comprar remédio para um paciente. Como faltam fraldas, pedimos para as famílias comprarem — contou outro profissional de saúde do hospital.
A crise financeira não poupa nenhum setor. Na terça- feira, a equipe da rouparia cruzou os braços, mas, ontem, uma funcionária do setor afirmou que 50% dos funcionários estavam trabalhando. Isso significa que 500 quilos de roupas sujas podem ser lavadas diariamente. Se a operação estivesse normal, esse número passaria de uma tonelada. Outro problema crônico do hospital, agravado com a crise, foi o dos geradores. Um paciente internado há dois anos teve que ser transferido para poder usar o gerador de uma outra ala.
Alguns pacientes continuam à espera de cirurgias. O desempregado Júlio Mariano Martins soube que a operação para a retirada de um tumor no pescoço, marcada para ontem, não ocorreria. O procedimento não foi considerado de urgência. Além de voltar para casa sem ser operado, também saiu sem perspectiva de quando irá para a sala de cirurgia.
— Estou perdendo a voz e sentindo minha garganta fechar. Se isso não é emergência, eu não sei o que é — reclamou Júlio.
Diretor geral do Pedro Ernesto, Edmar Santos garante que os procedimento cirúrgicos começarão a ser regularizados a partir de hoje. Ele também espera por notícias boas nos próximos dias.
— Sabemos da gravidade. Por isso vamos abrir o centro cirúrgico amanhã ( hoje). Estamos fazendo o possível para regularizar os pagamentos dos terceirizados. Estou batalhando por uma agenda positiva — diz Edmar.
O curso de medicina da Uerj tem cerca de 600 estudantes. No Pedro Ernesto, há mais de cem residentes.
— Querem que a gente aprenda a exercer a profissão em um lugar que pede ao paciente para voltar para casa — disse um deles.
Fonte: o Globo