Começa a aumentar número de partos normais no Brasil
Publicado em 01/07/2016 • Notícias • Português
Parto adequado
A cada 10 partos realizados em maternidades particulares no Brasil, 8,5 são cesáreas – a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda 1,5.
É essa discrepância na rede privada que faz com que o Brasil ainda ostente o triste título de país com mais cesarianas do mundo.
Mas futuros levantamentos sobre o tema podem trazer uma queda nesse percentual por causa de um projeto chamado Parto Adequado, implementado em 40 hospitais do país, que visa a combater a epidemia de cesáreas.
Em menos de um ano, essas maternidades conseguiram derrubar suas taxas em 9 pontos percentuais, fazendo com que a média de cesarianas caísse de 78% para 69%. Além disso, mais da metade dos hospitais envolvidos já conseguiu reduzir o índice para 60%.
Pagamento dos obstetras
Mas por que esse projeto – uma parceria entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Hospital Albert Einstein e a organização norte-americana Instituto para Melhoria dos Cuidados à Saúde – vem dando frutos após décadas de fracasso para lidar como problema?
Segundo especialistas, ligados ou não ao Parto Adequado, o sucesso está em atacar em várias frentes, inclusive nas mais polêmicas.
“É claro que não íamos mudar nada para valer se não discutíssemos novos modelos de remuneração dos obstetras. E isso passa por resgatar o papel fundamental das enfermeiras nos partos de baixo risco, ainda que isso signifique enfrentar a resistência de alguns médicos”, disse Rita de Cássia Sanchez, obstetra e especialista em medicina fetal.
A diretora de Desenvolvimento Setorial da ANS, Martha Oliveira, diz que é preciso reorganizar todo o sistema. “Trabalho há mais de 10 anos com o tema parto na ANS, mas nada dava certo. Isso porque nosso sistema de saúde nesse setor está preparado para (que partos) tenham como desfecho uma cesariana. Precisamos mudar isso.”
Por que tantas mulheres optam pela cesárea?
Por que médicos e pacientes optam pela cesariana?
Questão de dinheiro
E por que é necessário mexer no bolso tanto de médicos, como de hospitais e planos de saúde? Segundo as especialistas, o modelo atual de remuneração é totalmente ineficiente.
Hoje, grande parte das gestantes faz seu parto com seu médico de confiança, e não com a equipe plantonista. Além disso, o plano de saúde paga o médico por parto acompanhado, e não por turno trabalhado – o que acontece em outros países, como a Inglaterra.
“Esse sistema é insustentável”, diz Raquel Marques, presidente da ONG de direitos das mulheres Artemis. “Ter uma grávida atrelada a apenas um profissional não funciona, pois não se tem como aumentar a remuneração ao ponto que valha a pena para o médico ficar horas e horas no hospital a acompanhando. Ele tem outras pacientes, tem o consultório – onde ganha mais -, ou não tem disponibilidade para ficar o dia todo.”
Rita concorda: “O médico da grávida que entrou em trabalho de parto não vai ficar lá 10, 12 horas para acompanhá-la. Ele vai querer embora rápido e por isso indica cesárea.”
Remuneração por parto adequado
A diretora da ANS, Martha Oliveira, vai além e diz que o sistema de financiamento atual é a causa e a consequência da epidemia desse tipo de parto: “Hoje, o que importa é o volume de partos. E sempre vai dar errado se você tiver de fazer um volume grande para ganhar o que merece”.
Para ela, o esquema de pagar o obstetra por turno de trabalho, por si só, também não é suficiente. “Quanto custaria um acompanhamento de parto normal, se eu desmarquei todas as consultas do dia que eu tinha agendadas no meu consultório?”
Diante desse impasse, o projeto está fazendo testes de novas propostas de remuneração. Uma delas sugere a remuneração pelo desfecho – o parto adequado àquela gestante e ao seu bebê.
Há debates sobre uma divisão de pagamento envolvendo o valor do procedimento em si, mas também o trabalho por turno.
Enfermeiras no parto
A alteração no pagamento envolve ainda mudanças no esquema de trabalho nos hospitais. Entre os modelos testados no projeto-piloto está aquele em que o parto é realizado pelo plantonista da maternidade e ponto final. Em outra proposta, uma equipe multidisciplinar de plantão apoia a gestante até a chegada de seu médico.
“Esse modelo pode ser eficiente porque, em vez de passar muitas horas acompanhando o parto, o médico é chamado quando a gestante já estiver mais próxima de dar à luz – e assim não se sente pressionado a fazer uma cesárea”, diz Rita Sanchez.
Outro modelo prevê que o parto (sem risco) seja assistido por uma enfermeira obstetra, e não por um obstetra – o que já acontece no SUS, mas ainda não é regulamentado no sistema privado. É nesse ponto que entra outro aspecto do projeto: a valorização de uma equipe multidisciplinar, incluindo dar mais protagonismo à enfermagem.
“Essa mudança de chave só vai acontecer quando valorizarmos mais a enfermeira obstetra e a obstetriz. A enfermagem sabe cuidar muito melhor dos pacientes – incluindo as gestantes – do que um médico”, diz Martha, da ANS. “O médico estuda patologia, condutas. A enfermeira está mais preparada para ficar com a paciente no chuveiro, na bola (usada para amenizar os sintomas)… e com isso fazer com que o trabalho de parto evolua mais confortavelmente e adiar a analgesia.”
Treinar médicos em partos
Segundo Martha, outro ponto importante é a capacitação da equipe médica para fazer um parto normal.
“Ao longo de todos esses anos, eles foram treinados para fazer cesarianas. Precisam reaprender a assistir a mulher em um parto normal. E o médico também precisa reaprender a trabalhar em equipe, valorizando a importância dos outros profissionais.”
Fonte: Diário da Saúde