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Financiamento da ciência passa por momento de cautela

Publicado em 07/09/2015 • Notícias • Português

Presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) desde 2007, Celso Lafer passa o cargo no dia 8 para o físico José Goldemberg.

O ex-ministro das Relações Exteriores e professor de direito da USP afirma que a desvalorização do real –que aumenta o custo das bolsas no exterior– e as incertezas sobre a arrecadação do Estado de São Paulo exigirão cautela do seu sucessor no financiamento de pesquisa científica.

Os projetos já aprovados, porém, devem ser financiados normalmente. Na entrevista abaixo, Lafer trata ainda de casos de fraude ciência, de burocracia e da situação política do país.

Folha – Quais os efeitos da crise econômica na Fapesp?

Celso Lafer – Temos bolsistas no exterior, que recebem em moeda estrangeira. Uma coisa era o dólar no começo do ano, outra agora. O mesmo vale para a importação de equipamentos de pesquisa.

Além disso, há a questão do comportamento da arrecadação do Estado, da qual recebemos 1%. A disponibilidade maior ou menor baliza o nosso processo decisório.

Felizmente, temos um fundo, criado quando a Fapesp surgiu e que conta com o equivalente a vários anos de orçamento. Isso nos dá uma boa margem de manobra, mas é preciso ter o rigor prudencial. Tudo depende de quantos anos a crise vai levar.

Projetos de colaboração internacional, como os da área de astronomia, estão em risco?

É escalonado, os desembolsos se dão ao longo dos anos. Isso permite lidar melhor com a situação. Mas caberá ao meu sucessor ter o devido cuidado quanto a isso.

A Fapesp tem uma limitação dos seus gastos operacionais (5% do orçamento), que servem até para proteger a Fapesp dela mesma. Seria desejável que as universidades estaduais tivessem algo parecido? As folhas salariais, em alguns casos, ultrapassam 100% do orçamento.

É um assunto delicado.

Quando se discutiu a autonomia da universidade, o professor José Goldemberg cogitou uma certa limitação às despesas de custeio ou administrativas, mas isso não ocorreu. Depois veio, no plano mais amplo, a noção de responsabilidade fiscal.

Para investir mais, é preciso buscar ainda fontes alternativas de recursos, no setor privado, junto aos antigos alunos. O orçamento do governo estadual tem limites. Mas eu nunca fui reitor de universidade, no máximo chefe de departamento.

A questão é que, quando uma universidade estadual passa a gastar todo seu dinheiro em pessoal, acaba ficando refém da Fapesp para pesquisar, não?

O que eu diria é que é natural que parte da pesquisa seja financiada pela própria instituição, mas é natural também que ela procure recursos adicionais nas agências de apoio à pesquisa, isso acontece no mundo todo.

A Fapesp tem investido em internacionalização. O governo federal também fez, ao longo dos anos, um movimento grande com o Ciência Sem Fronteiras. Como o senhor compara as duas estratégias?

A premissa do Ciência sem Fronteiras era interessante: seria bom que alunos tivessem experiência internacional.

A questão é como você faz isso. O número de alunos no programa, da ordem de 100 mil, é muito grande. Não há como fazer uma seleção apropriada. Outro problema é este: para onde você vai mandar essa gente? Como é a escolha das instituições?

E naturalmente você tirou recursos da pesquisa para aplicar no programa. Em matéria de eficiência de gasto, você poderia fazer muito melhor do que foi feito.

A Fapesp tem bolsas no exterior. Mas com ênfase nos alunos de doutorado e pós-doutorado, pessoas que têm condições de aproveitar. Sempre de modo compatível com nossa capacidade de seleção, buscando boas universidades.

Além disso, bons programas também trazem gente para cá também. O efeito de irradiação é bastante grande.

Como tem se dado a investigação de casos de fraude científica por pesquisadores que recebem dinheiro da Fapesp?

Inicialmente, a instituição do pesquisador avalia se houve algo errado. Depois o caso vem para a Fapesp. Se há problemas, ele perde o acesso aos nossos recursos. É uma experiência bem sucedida.

Mas pode haver subnotificação e corporativismo, não?

É difícil dizer se há subnotificação. Para evitar [corporativismo], há ainda uma ouvidoria na Fapesp que recebe denúncias anônimas.

Algumas denúncias demoraram anos até terem resposta.

A preocupação nossa sempre foi evitar cometer injustiças. A palavra da Fapesp tem de ser muito ponderada.

Muitos pesquisadores reclamam sobre a burocracia da Fapesp, a necessidade de preencher muitos relatórios.

Naturalmente, aumentou o número de pedidos. O tempo médio de resposta é 60 dias. Houve informatização do sistema, há melhoras.

A Fapesp recebe recursos públicos. Então há um conjunto de regras que precisam ser cumpridas. Não há como não fazer certos procedimentos. As universidades precisam criar centros de apoio para para que cientistas não gastem tanto tempo prestando contas. É um desperdício de tempo que o sujeito que está estudando genética tenha de ficar organizando recibos.

Alguns cientistas também reclamam dos critérios de aprovação dos projetos.

Olha, na Fapesp sempre se pode pedir reconsideração. Há diálogo. É perfeito? Nada é perfeito, mas é um canal.

Há ainda um segundo ponto. Você conhece o livro do [filósofo americano] Thomas Kuhn sobre a estrutura das revoluções científicas? Há um determinado paradigma. O que está fora acaba rejeitado. O maior desafio é saber incorporar o que em um primeiro momento está fora do paradigma.

Veja um exemplo: quando eu comecei a estudar, direito internacional era uma “”perfumaria jurídica””. Hoje é um assunto muito pertinente. Isso acontece em todos os campos do conhecimento.

Para terminar, eu queria saber qual a análise do senhor sobre a situação política do país.

A queda da popularidade é ruim, mas a perda de credibilidade é pior. Vou recorrer ao economista Frank Knight e sua distinção entre risco e incerteza. O risco você precifica, ao contrário da incerteza. A incerteza leva à paralisia.

Fonte: Folha de S.Paulo

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