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Médico opera coração usando robô e joystick

Publicado em 02/09/2015 • Notícias • Português

São 13h28. Na “”sala do futuro””, como os médicos chamam o maior centro cirúrgico do Albert Einstein, em São Paulo, o paciente está sob efeito da anestesia.

Ligado a uma máquina de circulação extracorpórea, seu coração está parado. Como se fossem as patas de uma aranha gigante, os quatro braços do robô Da Vinci estão fincados no lado direito do tórax do homem de 65 anos.

A dois metros, joysticks nas mãos, o cirurgião cardíaco Robinson Poffo pede: “”Silêncio. Reduzam as luzes, por favor””. A operação começa.

O paciente tem insuficiência da válvula mitral, que compromete o fluxo sanguíneo no coração. A cirurgia visa reconstruir essa estrutura.

O robô está conectado ao doente por três pequenas incisões entre as costelas. Dali até o coração são 30 centímetros. Um braço leva uma câmera de 12 milímetros de diâmetro. Tridimensional, de alta definição, a imagem obtida pelo Da Vinci está aumentada de dez a 15 vezes.

Através dela, fios de sutura da largura de um fio de cabelo parecem cabos de aço. A pinça de dois centímetros ganha a dimensão de um anzol para peixes grandes. Com 8 milímetros de diâmetro cada um, os outros três braços carregam tesouras, pinças, bisturis, fórceps… Uma quarta incisão, de quatro centímetros, é usada pelos auxiliares para a passagem dos fios de sutura e do aspirador.

Sob os comandos de Poffo, os braços do robô estão em movimento. A primeira estrutura cardíaca a aparecer é o saco pericárdico, membrana que envolve o coração. Levado pelo terceiro braço do robô, o afastador mantém a película levantada, abrindo caminho para os outros braços.

Em seguida, atinge-se o átrio. Cortado e afastado, permite que o Da Vinci chegue a seu destino. “”Toda vez que abro um coração e vejo uma válvula mitral, fico em êxtase””, diz o cirurgião. “”O robô não tem tato, mas você consegue sentir as texturas.””

BALÉ DE MÃOS

As lentes da câmera embaçam. Poffo reclama. Dois auxiliares removem-nas do corpo do homem. Enquanto isso, em uma espécie de balé com as mãos, Poffo simula no ar a sequência de movimentos a ser feita com o robô.

“”Antes de entrar em cirurgia, já operei mentalmente o paciente uma centena de vezes””, diz o pioneiro da técnica no Brasil. Desde 2010, operou 42 vezes com o Da Vinci.

Uma hora e meia depois do início da cirurgia vem a reconstrução da válvula mitral. Vistas pelas lentes do Da Vinci, as pontas dos dois braços do robô parecem ter vida própria, num vaivém de pinças, agulhas e fios que refazem a estrutura cardíaca. É uma cirurgia quase sem sangue.

Às 16h17, os braços do robô são recolhidos. Uma hora depois, o coração do homem volta a bater sozinho: 112 batimentos por minuto. “”Maravilha””, celebra o médico.

A cirurgia robótica é uma das conquistas tecnológicas mais notáveis da medicina. Suas origens remontam aos anos 1980, com as microcâmeras e a laparoscopia.

Graças à nova técnica, cirurgias até então abertas puderam ser realizadas por pequenas incisões. As semelhanças entre a laparoscópica e a robótica, no entanto, terminam aí. O robô mimetiza os movimentos da mão humana e chega às regiões mais recônditas do organismo sem forçar nenhuma estrutura.

Ele tem um filtro de tremor: qualquer gesto involuntário do cirurgião é barrado. A câmera laparoscópica fornece imagens bidimensionais, exibidas em monitor, em geral, no alto, à frente do cirurgião.

“”Tanto na aberta como na laparoscópica e na robótica, a cirurgia é a mesma””, diz o urologista Anuar Mitre, 65, coordenador do centro de cirurgia robótica do Sírio-Libanês, em São Paulo. “”A vantagem está na menor agressão ao paciente, numa recuperação mais rápida e menos dolorosa e numa volta mais precoce às atividades normais.””

Se o paciente do médico Poffo tivesse sido submetido à cirurgia tradicional, teria o osso esterno serrado e o peito, aberto “”””o que eleva o risco de infecções e a necessidade de transfusão de sangue. O tempo de recuperação seria de até 40 dias. Na cirurgia robótica, 90% dos pacientes despertam ainda no centro cirúrgico. Passam um dia na UTI e têm alta em cinco dias.

DO CARRO PARA A CURA

“”A robótica é o presente e o futuro da cirurgia””, diz o gastroenterologista Antonio Luiz Vasconcellos Macedo, 64, do Einstein, especializado em cirurgia minimamente invasiva e robótica.

O robô beneficia também o médico, que opera sentado, com o braços e a cabeça apoiados num console.

Único do mercado, o Da Vinci é fabricado pela empresa americana Intuitive Surgical Devices e foi adaptado para cirurgias a partir dos robôs da indústria automotiva.

Os primeiros procedimentos com o Da Vinci ocorreram no início dos anos 2000, nos EUA e na Europa. A técnica só chegou ao Brasil em 2008.

São 500 mil cirurgias desse tipo realizadas todos os anos no mundo. E a tendência é de aumento. Até dois anos atrás, só dois hospitais brasileiros ofereciam a tecnologia –o Einstein e o Sírio. Hoje são 13.

A robótica está disseminada nas cirurgias urológicas, ginecológicas e do aparelho digestivo. Nesses campos, opera-se na cavidade abdominal e, quanto mais fundo, mais os olhos do cirurgião se afastam da região e menos espaço ele tem para trabalhar.

O recurso facilita a chegada do cirurgião lá. “”Com o robô, a sensação que se tem é a de que o cirurgião está com a cabeça dentro do abdome do paciente””, diz Gustavo Guimarães, 44, cirurgião oncológico e diretor de urologia do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo.

Os convênios de saúde ainda não cobrem os custos de uma cirurgia robótica. Poucos hospitais brasileiros operam com o Da Vinci pelo SUS. Entre eles, Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira, Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, e Hospital de Câncer de Barretos.

Fonte: Folha de S.Paulo

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