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Nervos impressos em 3D

Publicado em 18/09/2015 • Notícias • Português

O uso de avançadas tecnologias de impressão 3D pode devolver os movimentos a pacientes que sofreram danos em nervos periféricos. Pesquisadores americanos criaram uma nova técnica para se chegar à recuperação sensora e motora dessas pessoas, sem os graves efeitos colaterais dos tratamentos atuais. Trata-se de um tubo guia de silicone, confeccionado a partir da anatomia do nervo do próprio paciente, que facilita a regeneração do tecido danificado. Em experimentos com camundongos em laboratório, as cobaias voltaram a caminhar normalmente depois de um período de dez a 12 semanas.
Outros testes são necessários antes da aplicação da técnica em humanos, mas os resultados já são animadores.
— Isso representa uma importante prova do uso da impressão 3D de tubos guias nervosos personalizados para a regeneração de lesões em nervos complexos — afirma Michael McAlpine, professor de Engenharia Mecânica na Universidade de Minnesota e líder da pesquisa. — Um dia, esperamos que seja possível ter um scanner 3D e uma impressora dentro dos hospitais, para a criação de tubos personalizados no próprio local.
O estudo contou com a participação de pesquisadores das universidades de Minnesota, Virginia Tech, Maryland, Princeton e Johns Hopkins, algumas das mais prestigiadas do mundo. Os resultados foram publicados ontem na revista científica “Advanced Functional Materials”. O nervo escolhido para o experimento foi o ciático, por possuir bifurcações e transportar simultaneamente sinais dos sistemas sensorial e motor.
Nos experimentos laboratoriais, cientistas retiraram uma parte do nervo de uma cobaia e a digitalizaram com o uso de um scanner de luz estruturada, capaz de captar a luz refletida para reconstituir, com precisão, o objeto. Com posse do arquivo tridimensional do nervo, softwares de computação gráfica construíram o modelo do tubo, que envolve perfeitamente a fibra a ser reparada. Por fim, o tubo foi construído em silicone por uma impressora 3D, e depois implantado na cobaia, reconectando as duas extremidades do tecido.
O processo de escaneamento e impressão leva cerca de uma hora, mas o corpo precisa de muitas semanas para reconstruir os nervos. O tubo impresso em 3D recuperou os movimentos das patas traseiras da cobaia em 12 semanas.
Lesões que afetam os nervos são bastante comuns e, quando eles são rompidos, precisam ser reparados cirurgicamente. Apenas nos EUA, são cerca de 200 mil pacientes por ano que passam por algum tratamento reparatório. Quando há apenas a ruptura do nervo, o mesmo é suturado. Mas quando ocorre a perda de tecido, algo comum em acidentes automobilísticos e outros politraumatismos, o procedimento terapêutico mais utilizado é o autoenxerto. Nestes casos, o cirurgião retira algum nervo sensitivo, como o sural — responsável pela sensibilidade de algumas partes do pé —,e o reimplanta no local afetado pela lesão.
— O procedimento não é simples e traz sequelas para o paciente — explica Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira, diretor do Instituto de Biologia e chefe do Laboratório de Regeneração Nervosa da Unicamp. — Nós retiramos um nervo sensitivo para recuperar o movimento em outra parte do corpo, mas acabam sendo feitas duas cirurgias, e o paciente perde a sensibilidade na região doadora.
OPÇÃO MENOS TRAUMÁTICA
Por esse motivo, a comunidade científica busca por opções menos traumáticas ao paciente. O uso de tubos, procedimento conhecido como tubulização, é citado como o mais promissor. Ele não é novo. Os primeiros estudos com a técnica começaram na década de 1980 e, hoje, já têm indicação clínica para alguns tratamentos em países da Europa e nos Estados Unidos, com a devida aprovação para uso comercial da FDA, agência que regulamenta alimentos e medicamentos no país.
— Mas o uso clínico ainda é restrito, principalmente para cirurgias nos dedos e nas mãos, onde os nervos são muito finos para o autoenxerto — diz Oliveira.
Mas, nos laboratórios, a tubulização é amplamente utilizada para experimentos com substâncias que acelerem ou tornem mais eficiente a regeneração das fibras, como as células-tronco. O experimento de McAlpine faz uso de duas dessas substâncias para direcionar o desenvolvimento dos tecidos. Por dentro do tubo, a impressora 3D aplica uma trilha com fator de crescimento nervoso (NGF, na sigla em inglês) e outra com fator neurotrófico derivado de linhagem de célula glial (GDNF), para os nervos sensitivos e motores, respectivamente.
Dessa forma, os pesquisadores conseguiram construir um tubo controlável no formato de “Y”, um feito inédito. A ideia é que a técnica possa ser utilizada para a regeneração de nervos com outros formatos complexos. Segundo os autores do estudo, “canais guias convencionais são fabricados ao redor de substratos cilíndricos, por isso são restritos a estruturas lineares. Era desejável desenvolver estratégias que permitissem a fabricação de tubos com estruturas anatomicamente complexas”.
— Não existe nada desse tipo no mercado — avalia Ana Maria Blanco Martinez, professora do Instituto de Ciências Biomédicas e pesquisadora do Laboratório de Neurodegeneração e Reparo da UFRJ. — A dificuldade de se construir tubos com bifurcação é controlar para onde os tecidos vão crescer.
A pesquisadora trabalha atualmente no projeto que busca a certificação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de um tubo guia nervoso nacional, que visa a baratear a aplicação clínica e reduzir os custos de pesquisas. Atualmente, o tratamento com a tubulização é proibitivo no país por causa dos altos custos de importação. Entretanto, conta Ana Maria, estudos em laboratório comprovam que a técnica é tão eficaz quanto o autoenxerto, e com menos sequelas.
— No futuro, nós vamos adicionar substâncias aos tubos que possam acelerar e melhorar a regeneração — prevê Ana Maria. — Os tratamentos atuais são demorados, e a recuperação funcional não é perfeita. Muitas vezes, os pacientes ficam com limitações de movimentos que comprometem a qualidade de vida e que os tornam dependentes de outros.
Mas existem limites para o uso dos tubos no que se refere à dimensão do segmento a ser regenerado. Segundo os padrões atuais, a perda de tecido não pode ser maior do que três centímetros para que os nervos sejam capazes de se reconstruírem naturalmente.
E o procedimento cr iado pelos pesquisadores americanos ainda é incipiente. O próprio material escolhido, o silicone, não é indicado para a tubulização. Por não ser absorvível pelo organismo, teria que ser retirado em outra cirurgia após a regeneração dos tecidos.
MATERIAL BIODEGRADÁVEL
No estudo, eles definem os próximos passos a serem seguidos. O primeiro será a substituição do silicone por alternativas biodegradáveis. Eles também vão focar na otimização da estrutura de difusão e na avaliação do retorno funcional dos fatores neurotróficos. Vale ressaltar que o experimento busca oferecer novos tratamentos para o sistema nervoso periférico. Lesões na coluna espinhal são quase sempre permanentes.
“Além de tudo, nós esperamos que essa plataforma provoque impacto significativo no entendimento dos fundamentos da regeneração e no tratamento clínico de lesões de nervos complexos”, dizem os pesquisadores.
Em casos em que o nervo não está disponível para escaneamento, o pesquisador acredita que existirá uma “biblioteca” com modelos escaneados de outras pessoas, que os hospitais poderão usar para buscar a estrutura mais próxima com a do paciente.— O próximo passo será implantar esses guias em seres humanos — afirma McAlpine.

Fonte: O Globo

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