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“O governo precisa parar a bagunça e trabalhar”, diz pesquisador de vacina antizika

Publicado em 01/07/2016 • Notícias • Português

O vírus zika é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma emergência global em saúde pública pelos efeitos prejudiciais que sua infecção causa no sistema neurológico humano, como a microcefalia e a síndrome de Guillain-Barré. O desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz para conter a disseminação do vírus é uma prioridade para os pesquisadores e tem sido incentivado por órgãos de saúde de todo o mundo. No Brasil, três grupos trabalham no desenvolvimento de uma vacina, em parceria com instituições americanas: o Instituto Evandro Chagas, no Pará, o Instituto Butantan, em São Paulo, e o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).

Nesta semana, o ICB-USP, junto à Universidade Harvard, nos Estados Unidos, apresentou os primeiros resultados do teste de uma vacina contra o zika em animais. Por enquanto, é o mais longe aonde já se chegou. O estudo, publicado na revista científica Nature, na terça-feira (28), é animador. Os camundongos que receberam dois tipos de vacina, uma feita com vírus morto e a outra produzida com proteínas de superfície do vírus, foram imunizados. Agora, a equipe, que inclui o virologista brasileiro Paolo Zanotto, enfrenta os desafios das próximas etapas: testes em primatas e, depois, em seres humanos. Ele diz que parte importante do desenvolvimento da pesquisa no Brasil depende do governo federal. “O governo federal precisa se organizar, parar a bagunça e começar a trabalhar”, diz Zanotto. “Os pesquisadores brasileiros estão trabalhando o tempo todo para resolver uma crise de saúde e precisamos de apoio.” Leia a entrevista completa a seguir.

ÉPOCA – Os resultados em camundongos despertam otimismo em relação ao grau de proteção que a vacina vai produzir em humanos?
Paolo Zanotto – Esses resultados são importantíssimos. Estou extremamente contente. Isso mostra o potencial dessa tecnologia. Agora, estamos esperando pelos resultados em primatas. Esta próxima fase de testes será feita nos Estados Unidos, porque eles têm condições de arcar com os custos elevadíssimos de criar esse tipo de animal para pesquisa. Para os vírus que sofrem mutações muito rápido é difícil haver uma vacina porque sempre vai ter uma variante contra a qual a vacina não protege. No caso da dengue, uma vacina é mais complexa porque são quatro sorotipos e a imunização deve ser contra todos eles. No caso do zika, existe um fator que talvez facilite nossa vida. As variantes são limitadas em relação à diversidade genética. É muito provável que todas sejam controladas pela mesma vacina. Isso é algo extremamente encorajador. Temos uma boa chance de ter uma solução para esse problema no contexto vacinal e talvez mais rápido do que a gente imagine.

ÉPOCA – Na última reunião da Organização Mundial de Saúde foi sugerido que os intervalos entre as fases de pesquisa sejam encurtados para acelerar a aprovação de uma vacina contra o zika em até três anos. Há agum risco em acelerar as fases de pesquisa?
Zanotto – O perigo é relativo. O perigo é não haver vacina e existir milhares de crianças nascendo com microcefalia. Com os ensaios pré-clínicos e clínicos, nos próximos dois ou três anos, dá para ter uma boa ideia se é possível surgir alguma reação adversa que a gente não consegue prever neste momento. Em uma situação de emergência, as primeiras vacinas desenvolvidas não serão necessariamente as melhores nem as que serão usadas para sempre. Mas podem significar um avanço enorme na proteção em uma situação em que pessoas estão expostas em locais de surto de uma doença.

ÉPOCA – No Brasil, há outros dois grupos pesquisando uma vacina contra o zika. Existe uma competição?
Zanotto – Não é uma competição em que o vencedor leva tudo. Não é assim que funciona. É uma forma de interação em que todo mundo ganha. O que um grupo descobre é muito útil para os outros grupos que também estão desenvolvendo vacinas saber o que funciona e o que não funciona. É lógico que os cientistas têm a preocupação de fazer algo antes e publicar em uma revista científica conceituada. Mas em uma situação como esta, de crise mundial tão grande, o que importa é que as informações sejam obtidas. Isso é importantíssimo porque vai acelerar as pesquisas dos outros grupos. O desenvolvimento de vacinas tem de ser feito por vários grupos simultaneamente. Não se pode correr o risco de apostar somente em um grupo e, mais para a frente, o que esse grupo está fazendo não funcionar e voltarmos à estaca zero.

ÉPOCA – Os três grupos brasileiros trabalham em parceria com instituições americanas. Seu grupo, da USP, com a Universidade Harvard, o Evandro Chagas, com a Universidade do Texas, e o Butantan, com o Barda, órgão do governo americano para pesquisa biomédica. É impossível para o Brasil desenvolver uma vacina sozinho?
Zanotto – As pesquisas estão avançando rápido e partes importantes desse trabalho estão sendo desenvolvidas por equipes brasileiras em nível global. O quanto disso será desenvolvido no Brasil vai depender das autoridades brasileiras. Elas precisam ter responsabilidade e entender que a pesquisa científica é importante. Os pesquisadores brasileiros já demonstraram que são sérios. O que a gente precisa ver agora é seriedade por parte do governo. O governo federal tem de se organizar, parar a bagunça e começar a trabalhar. Há uma demanda de investimentos para pesquisa em campos que são importantíssimos para a sociedade brasileira. Temos de ter vacinas para o zika. Temos de ter sistemas de controle para o chikungunya. E a vacina de dengue, que está em desenvolvimento, tem de ir em frente, não pode parar. Os pesquisadores brasileiros estão trabalhando o tempo todo para resolver uma crise de saúde e precisamos de apoio.

ÉPOCA – Informações de mercado sugerem que grandes empresas farmacêuticas, como Glaxo, a Merck & Co. e a Johnson & Johnson, não parecem estar com muita pressa para entrar na corrida por uma vacina contra o zika. Elas suspeitam que o negócio não será tão grande e rentável. Desenvolver vacinas para doenças que afetam mais países em desenvolvimento continua a ser uma tarefa apenas de governos?
Zanotto – Ainda é um momento de incerteza em relação ao zika. Não sabemos o tamanho da encrenca que ele pode causar, mas estamos percebendo que pode ser uma coisa bem grande. A indústria, de maneira geral, tem dificuldade de fazer uma estimativa de custo-benefício em um momento em que se tem pouca informação. Isso tende a dificultar decisões de investimento. Temos conversado com indústrias interessadas. Vários grupos estão avaliando o custo-benefício de fazer um investimento desse tipo. É a academia que está procurando essas respostas, levantando dados para entender o que o vírus faz, como ele faz, onde ele está. Vemos a universidade executando essa função mesmo em situações adversas, de falta de recursos.

Fonte: Época Online

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